quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Conto

Diante da Morte



Desenho de Cláudia Elisabeth Ramos



            Eu vi a luz do sol. O triste sol. Mas uma luz escura que apaga o interior tinha apagado ele dentro de mim Sou jovem, 25 anos acho. Ferido na alma e no corpo.  Sinto cheiro de podre.  Vejo vermes espalhados pelo chão. Vejo um corpo. Há uma penumbra. Lembro-me de um tiro. Não tenho palavras, mal consigo pensar. Ocorreu algo. Um tiro? Quando? Se estávamos apenas nós dois na cela. Foi ela? Não sei? Não acredito, pensei que nos amássemos. Odeio-a! Ocorreu algo. Há muito sangue. Há um corpo diante dela. É o meu corpo? Ela me detesta, tem asco. Sangro no peito, mas estou aqui parado diante ela e ainda vivo. Solidão. Sinto-me só.
As paredes da cela estão sujas de sangue, sangue de meu corpo morto diante dela. Não sei em que parte meu corpo dói mais. Queria estar morto. Estou morto? Sim, estou caído ali, diante ela. Não, estou parado de pé diante meu corpo e ela. Quero matar ela, mas como se já estou morto. Eu sou um homem de astúcia, nunca tive medo do inesperado. Estou com medo agora. Não sei o que me espera. Procuro por alguma coisa, não sei o quê. O vento sopra do leste, vem pelas barras da jaula. O cheiro ruim continua a invadir minhas narinas mortas.
Lembrei-me das flores. Eu amo as flores. Quanto tempo faz que não vejo uma flor?  Desde que começou essa maldita guerra. Enquanto os raios de sol iluminam o manto escuro com o desespero e a dor, esconde assim o maravilhoso e belo, o mundo das flores e o de um sorriso. Teatro, cinema e música, onde estão vocês? Riso, quanto tempo faz que não sorrio, preso nessa maldita cela. Eu amo a poesia e os livros, sem eles não sou nada. Sou mais um cadáver. É triste ter certeza que morri e nada mudou, ainda estou vivo. Por que não acabou? Socorro, por favor, alguém me salve...

(Cláudia Elisabeth Ramos, 25/07/1987)


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