sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Crônica



O Cruzado Furado

Estava no ônibus, indo para casa, quando percebi um bafuá lá na frente do mesmo. Tratei de dar atenção ao acontecimento. Todos olhavam para o chão do veículo e riam. O que será que tinha tanta graça? Era um “Pega você! Eu não! Eia, sai” para todo o lado. Olhei e descobri o motivo: “Uma nota de mil cruzados antigos.” Era um arrasta pé só. Cada um que passava tinha que pisoteá-lo. Era o melhor a fazer.
O ônibus já vazio, um senhor de idade bem avançada, sentou ao lado da nota já bem suja e furada. Olhou-a e começou a rir. Mostrou para um conhecido seu, que estava noutro lado do corredor, que refletiu outro sorriso de negação.
            O Senhor retirou de seu bolso uma nota de quinhentos cruzeiros e disse sorrindo:
            – Se fosse essa, todos queriam pegar.
Uma menina sentou a frente do senhor. E outras pessoas passaram pela nota a chutando para o lado dela. O senhor cutucou a menina mostrando a nota. Ela riu e renegou-a também.  E o velho insistia com a jovem. Ela sorriu e colocou o pé sobre o cruzado. Puxou-a pra lá e para cá com a intenção de rasgá-la. Uma senhora que achei ser a mãe dela passou e a puxou para descer do ônibus. O senhor também levando e preparou-se para desembarcar. Em seguida, desceu.
         A próxima parada era a minha. Levantei e discretamente, quando descia do veículo, passei a mão no pobre cruzado e levei para casa.
           Sempre tive a mania de guardar dinheiro antigo e nunca menosprezei nem mesmo uma moeda de um centavo. Mas não foi este o motivo que me levou a pegá-lo. Na verdade, “mil cruzados” ainda tem valor, ainda que pouco. Se quando formos comprar uma coisa qualquer e faltar um cruzeiro, que equivale a “mil cruzados”, não poderemos leva a mercadoria.
E “mil cruzados” a pouco tempo atrás tinha muito valor. Muita gente passou fome por faltar “mil cruzados”. Como se pode esquecer tão rapidamente um papel que valia um ou dois pratos de comida. Foi a inflação a culpada da perda de seu valor, não a pobre nota. A moeda muda, mas a história fica. Porém o povo esquece, tem memória curta. Não importa que ela tenha salvado a vida de alguém no passado, como no filme “O Dólar furado”. Para quem não viu o filme, era um faroeste onde uma bala tingia o protagonista no peito sobre um bolso onde havia uma moeda de um dólar. E esse dólar salvava o mocinho. Mas voltando, é apenas  “mil cruzados” velho, não tem mais valor, hoje não salva ninguém...

Cláudia Elisabeth Ramos
(25/07/1990)