Série "Crônicas de Guerra"
Voltar para
casa
Estávamos acampados, descansando. Ao meu lado estavam meus amigos: Flores, Smith e Joshua. Mais distante de nós, à frente, estavam Hart e Byrne. Todos sentados no chão. Vi quando o sargento Ladd chegou em Hart e deu para ele uma carta. Disse:
– Isso é para você, Hart.
Hart pegou a carta, estranhando, abriu-a e
leu. Gritou alegre:
–
Uau! – saltou muito feliz.
Byrne
perguntou para ele curioso, enquanto todos nós olhamos para ele, tentando
descobrir o motivo de sua felicidade:
–
O que diz essa carta?
–
Eu vou pra casa! Fui dispensado! – gritou ele eufórico. – Eu vou pra casa!
Nós
sorrimos felizes por ele. Parabenizamo-lo. E ele saiu correndo do nosso lado,
para ir embora. Ainda abanou, despedindo-se. E todos nós ficamos de repente
tristes. Eu senti inveja dele, mas não falei nada. Acho que os outros também.
Questionava em pensamento: “Por que não me mandam para casa?” Mas foi Smith
quem perguntou:
–
Qual o critério para um de nós sermos dispensado?
–
Não faço ideia – disse.
–
Nem eu – disse Joshua e Flores uníssonos.
–
Eu queria muito voltar para casa, já estou a tanto tempo aqui – completei.
–
Nós também, Irving! Viemos juntos – disse Flores, mostrando Smith e Byrne.
–
Sim, nós nos conhecemos desde o treinamento – disse Byrne indignado. – Quanto
tempo estamos aqui nesse inferno? Três ou quatro anos?
–
Acho que três e meio – disse.
–
Eu estou antes de vocês – disse Joshua, triste.
–
Hart chegou bem depois de nós todos – disse Smith. – Por que ele vai ser
dispensado e nós não?
Ninguém
sabia e ficamos todos falando de injustiça e etc. Eu então levantei e disse:
–
Sabem de uma coisa? Vou perguntar para o coronel – e todos incentivaram.
Fui.
Entrei na tenda dos oficiais. O coronel Lander e o capitão Koch jogavam xadrez,
sentados diante a uma pequena mesa onde estava o tabuleiro. Parei diante aos
dois, fiquei em posição de sentido e bati continência. Os dois não se mexeram,
concentrados olhando ao jogo.
–
O que você quer, Irving? – perguntou o coronel, sem vontade e sem me olhar.
–
Qual o critério para um soldado ser dispensado e voltar para casa?
–
O quê? – perguntaram juntos o coronel e o capitão, voltando-se para mim.
Expliquei:
–
Hart ganhou dispensa e foi para casa. Por que ele foi escolhido? Foi o senhor
quem o escolheu, coronel?
–
Não! Mas... Bom pra ele.
–
Quem escolhe quem vai ser dispensado?
–
Não tenho a menor ideia. Você sabe, capitão? – e o Koch negou. –E ele já vai
tarde! Não sentirei a falta dele. Se ficasse mais, seria morto.
–
Então... Vocês não sabem? – perguntei aos dois.
E
os dois concordaram. O coronel ainda disse:
–
Eu também quero ir pra casa.
–
E eu também – disse o capitão.
Sorri
para os dois. Bati continências e sai, voltando para junto dos outros soldados.
Logo fui informando:
–
Eles não sabem! Não são eles quem decide.
Sentei
entre Flores e Joshua, pensativo. Smith disse pensando alto:
–
Feridos...
–
Nem todos os feridos são dispensados. Já estive ferido diversas vezes e não me
dispensaram – completei. – E Hart não estava ferido.
–
É, você tem razão... Carter foi por que ficou paralítico. Gomes por ter ficado
cego. Lincol por ter perdido o pé. Então, mutilação dispensa a gente. Hart, Lewis
e Gasparetto... não sei.
–
Diaz por ter perdido a mão esquerda – completou Flores.
Todos
concordaram e eu disse:
–
Então, mutilação dá dispensa – e todos concordaram.
–
Também, como alguém vai lutar mutilado? – perguntou Byrne.
–
Vamos tentar descobri, desses que não foram mutilados – continuou Smith. – Eram
ótimos soldados? – perguntou a todos.
E
houve muita discussão. Todos concordamos que não eram.
–
Péssimos? – todos negaram, dizendo que eram soldados mais ou menos. – Algum
deles salvou alguém? – todos negaram. – Algum fez algo heroico? – todos
negaram. Smith olhou para nós e perguntou diretamente: – Algum de vocês fez
algo salvando alguém? – Todos ergueram os braços. – Então todos nós fizemos
algo heroico... Então está aí o motivo da dispensa, soldados ruins vão para
casa, os bons ficam. Os ruins e os mutilados voltam pra casa.
Entristecemos.
–
Isso não é justo – disse Byrne triste.
–
Mas é lógico – disse também triste. – Para vencerem a guerra, tem que ser os
melhores... Ninguém vence a guerra com péssimos soldados – todos concordaram.
Eu
também me senti injustiçado, porém não falei nada. Estava louco para ir para
casa. O interessante era que me lembrava da Irlanda e pensava em voltar para
lá. Lembrava-me do tempo em que ficara ajudando papai com a produção de mel (Ida
para os Estados Unidos, Livro 1, pág. 54). Lembrava até de mamãe servindo
bolo e me dando carinho. Mesmo que soubesse que não ia encontrá-la mais lá, a
relacionava com a Irlanda. Não recordei nada dos Estados Unidos, nem de nenhum
momento bom com Kristie.
Pensei
que se queria ir pra casa, eu deveria fazer tudo errado. Era isso que eu
pretendia fazer. Não ia mais me atirar de cabeça nos combates.
No
outro dia pela manhã nos confrontamos com os japoneses. Tentei ser ruim.
Procurava me defender e não mais atingir aos japoneses. Todavia, vi quando um
japonês ia atingir Flores. E eu, não podia deixar que matassem meu melhor
amigo. Acabei matando o japonês e salvando a vida dele. Vi quando outro japonês
ia atacar com uma faca Smith, não conseguia deixar isso. Não considerava Smith
meu amigo, mas era companheiro e não podia permitir que um japonês fizesse
isso. Vi que uma metralhadora ia atingir Byrne e saltei sobre ele, impedindo
que suas balas o matassem. Não dava para ficar parado e não me importar com
eles. E quando um japonês saltou diante do coronel, tive que protegê-lo, era
mais que um oficial, era meu amigo. Em resumo: não consegui ser um mau soldado.
Flagrando-me
disso, quando terminou enfureci de raiva e me prometi que seria ruim no
próximo. E aconteceu outro, e eu continuei sendo o mesmo. Era contra meus
princípios deixar que matassem meus colegas e os oficiais. E eu sempre fazia de
tudo para salvá-los. Pestanejei, maldizendo a mim mesmo por isso. O terceiro
confronto foi a mesma coisa. Parei chorando forte, pois sabia que não tinha
como eu mudar, não ia deixar que ninguém matasse meus companheiros e nunca iria
desobedecer uma ordem.
Smith
parou a minha frente vendo que eu chorava. Perguntou:
–
O que está acontecendo, irlandês? Por que está chorando?
–
Porque eu nunca irei par casa...
–
Ah? Claro que vai!
–
Não! Eu não consigo ser ruim... Há três combates estou tentando, e eu não
consigo – chorei.
–
Ah, é isso! Eu também estou tentando, mas não posso permitir que matem meus colegas,
nem deixar que esses japoneses vençam. Somos dois.
–
Três – disse Byrne, intrometendo-se em nossa conversa. – Quero tanto ir pra
casa, encontrar-me com a Priscila, casar com ela. – Mas não consigo deixá-los
nos vencer...
–
Então não vamos pra casa – disse. – Não consigo mudar.
Flores
intrometeu-se e disse:
–
Vamos sim! Nós vamos ganhar a guerra e quando ela terminar, iremos todos para
casa como vencedores!
Eu
não acreditava que ia sobreviver a guerra, mas não discordei. O que ele falou
dava esperança aos outros. Smith e Joshua concordaram em ele e vibraram,
entusiasmados.
Passados
alguns dias, Byrne parou no meio de nós e disse:
–
Ouçam! Hoje eu vou para casa de qualquer jeito – eu estranhei.
Um
pouco mais tarde no mesmo dia entramos em combate. Byrne estava ao meu lado,
quando o vi pegando uma granada. Pensei que ele ia jogá-la nos inimigos, mas
não. Ele tirou o pino e espichou o braço, sem lançá-la. Virou o rosto e fechou
os olhos. A granada explodiu com a mão de junto. Eu apavorei-me.
Dois
padioleiros levavam Byrne já com o que restava do braço com curativo e disse
para mim e para Smith quando nos aproximando. Sorria:
–
Eu disse que ia pra casa hoje!
Nós
dois nos olhamos sérios e tristes por ter sido apenas desse jeito que ele
conseguira ir para casa. Fomos para junto dos outros e todos diziam que ele era
louco. Disse para todos:
–
Ele não era louco, nem foi loucura. Foi na realidade, saudade de casa...