Crônicas,

Fábulas e Contos

de Cláudia Elisabeth Ramos

Série "Crônicas de Guerra"


Bebedeira

             Era noite e eu estava amarrado por um arame farpado a um poste de uma cerca. Estava com uma mordaça na minha boca, feita por um trapo velho. Tinha um arame farpado que me sufocava enrolado a minha garganta ao moerão. Com o canto do olho vi meu amigo Johnson. Johnson era um soldado como eu afrodescendente, forte, alto e bonito. Ele estava como eu, enrolado com o arame farpado no outro poste da cerca. Tanto eu quanto ele estávamos espancados.

A cerca ao qual estávamos presos era à beira de uma estrada de areão. Vi passando pela estrada a nossa frente nossos colegas Flores, Hart e Brian. Hart era branco de cabelos castanhos e olhos verdes, seu nome é fictício. E Brian era branco, de cabelos e olhos castanhos. Seu nome também é fictício. Os três iam passando sem nos verem. Eu desejava gritar pedindo socorro, mas não tinha como. Fiquei torcendo em pensamento para que um deles olhasse na nossa direção. E quem fez isso foi o mexicano. Ele olhou para nós sem acreditar no que via.

– O que é isso? – perguntou ele para os outros dois.

Hart e Brian olharam. Quando se aproximou de nós é que Flores nos reconheceu.

– Irving? Johnson? – e correu em nossa direção.

Os dois outros colegas também vieram. Os três chegaram a nós e foram nos desamarrando, ligeiros, desenrolando os arames. O mexicano veio em mim e Hart e Brian em Johnson. Eles ainda não tinham tirado todo o arame farpado do redor de nós quando tiraram as nossas mordaças.

– O que aconteceu? – perguntou Flores para nós dois enquanto nos desenrolava.

Eu não recordava de nada. Johnson passou a falar furioso:

– A culpa toda foi do irlandês, aí! Ele agarrou e beijou uma garota com o namorado no lado e ainda disse um monte de besteiras para ela e o namorado. O namorado dela reclamou. O irlandês achou-se ainda com o direito de dar um soco nele. O homem lutava como um louco e passou a dar uma surra no Irving – deve ter usado alguma arte marcial. – Eu tentei fazer o homem parar, e defender esse infeliz aí. Só que ele estava com um grupo de amigos. Eles acabaram batendo em nós dois e fizeram isso conosco.

Tive dificuldades de acreditar em tudo aquilo que Johnson disse. Quando estávamos totalmente soltos, questionei para ele:

– Eu fiz isso mesmo? Não me lembro de nada!

– Claro que não lembra! Estava bêbado.

Eu comecei a rir e o mexicano também. E acabou todos nós rindo, até mesmo Johnson. Depois, Johnson pediu para Flores, Hart e Brian:

– Não contem nada pros nossos superiores.

Tanto eu quanto ele sabia que se descobrissem que nós fizemos arruaça na cidade seríamos punidos. Os três garantiram que não iam contar nada.


Piranhas e Tartarugas

Olhava meu reflexo na água, acocorado diante a um pequeno lago. Olhava meu reflexo. Eu vestia-me de soldado (farda), todo de verde, e usava um capacete. Estava muito sério. Tinha o formato do rosto ainda fino, magro, e o alinhamento reto dos olhos e das sobrancelhas. Era másculo. Estava com barba por fazer. Como já foi dito antes, meus olhos eram verdes e tinha os cabelos vermelhos escuros. Minha barba e todos os pelos do corpo eram de um louro avermelhado. Minha pele era muito branca.

Eu estava muito sério e me sentia tenso. Meu rosto trazia uma mancha de sangue no lado direito que vi pelo reflexo inverso (com a mancha no esquerdo). Olhei as minhas mãos e elas também estavam sujas de sangue. Lavei as mãos na água e passei-as no rosto. A água aos poucos foi ficando vermelha por minha causa.

De repente alguém gritou atrás de mim:

– Cuidado com as piranhas, Irving!

Olhei para trás e estava Letter. Ele era um soldado branco, de cabelos castanhos e olhos verdes, da minha idade. Ele estava rindo, afastado um pouco de mim, provocando o riso de todos. Fora ele quem gritara. Ele estava de pé ao lado do Johnson, de Smith e de Flores. Voltei a olhar a água, ainda sério.

Ouvia Letter dizendo:

– O sangue do irlandês vai atrair piranhas! Elas vão o comer.

Tirei o capacete e apareceram no reflexo os meus cabelos ruivos escuros curtos, com corte militar, um pouco crescidos e bem ondulados. Eu tinha os cabelos ruivos escuros (quase um marrom avermelhado). Minha barba que crescia era um louro avermelhado. Peguei a água com as duas mãos, fazendo uma concha, e lavei o rosto. Enquanto isso ouvia a voz irritante de Letter insistindo na mesma piada das piranhas.

– Sai daí, irlandês! Está correndo perigo. Cuidado com as piranhas – dizia ele rindo.

Voltei a botar o capacete e olhei a água e surpreendi-me que bem onde eu estava tinha duas tartarugas, que vieram a mim. Ri e chamei a atenção de todos:

– Vejam! Letter está certo! Vieram piranhas me atacar.

Meus colegas se aproximaram, parando pelas minhas costas e olharam curiosos. Logo que viram que eram tartarugas, todos riram.



O Búnquer

 

Estava com nossos colegas agrupados com outros militares aliados ao ar livre. Se não me engano eram ingleses e australianos. Sabia que todos estavam conosco graças a um resgate feito por nós. Encontramo-los num campo de prisioneiros. O coronel Lander estava reunido com outros oficiais aliados. Um coronel inglês, Stark, e um major australiano, Phillips. O coronel Stark era branco, muito magro, com uma calvície marcante, olhos verdes e cabelos castanhos claros. O major Phillips também era branco, tinha os cabelos louros e os olhos azuis. Faziam planos, colocando um mapa sobre uma grande pedra. Falavam muitas coisas.

E eu estava junto com Flores e Johnson, descansando, sentado numa pedra; mas olhava a uma pequena distância os oficiais. Prestava atenção neles. Eles falavam sobre dominar um búnquer*, que havia mais a frente. O coronel inglês Stark falava:

– Vamos enviar uma força especial até lá, dominá-lo e depois o resto da tropa segue.

– Tem que ser nossos melhores homens – dizia o major australiano Phillips.

– Acho que devemos mandar seis homens: dois ingleses, dois americanos, dois australianos...

E os três oficiais concordaram. E o coronel Lander disse:

– Vou selecionar meus homens.

Afastou-se deles, vindo em nossa direção, enquanto os outros oficiais iam para as suas tropas. O coronel veio exatamente em minha direção e ordenou-me:

– Venha comigo, Sargento.

Depois foi para mais a frente, a procura de mais alguém. Eu o segui pensativo. Havia ouvido que eles mandariam os melhores homens e se o coronel me chamara, considerava-me um dos melhores realmente.

Logo ele parou a frente de Smith e ordenou:

– Smith, venha conosco!

Obs.: o coronel selecionou logo os mais cruéis da tropa – Smith e eu. Talvez na guerra, os melhores sejam os mais cruéis.

O coronel Lander voltou para diante da pedra com nós dois juntos. Já estava lá o major australiano Phillips com dois homens também. Ficamos parados um tempo até chegar o coronel inglês Stark, com também outros dois homens.

Os oficiais começaram explicar várias coisas, sendo que a maior parte era o coronel inglês que dizia. Foram várias coisas sobre o búnquer que não saberei contar aqui. Em resumo, eles queriam que nós chegássemos ao búnquer silenciosamente e o dominasse. Queriam que nós evitássemos dar tiros e não fizesse os japoneses atirar. Precisavam que aquele búnquer fosse dominado sem alertar aos outros. Segundo eles, havia uma tropa inimiga bem perto e queriam que eles só nos notassem quando já estivéssemos atacando com as tropas deles.

– O tenente Jenkees vai liderar o grupo de vocês – disse o coronel Stark, apresentando-nos um oficial inglês. Ele era branco, de olhos castanhos e cabelos castanhos claros.

E fomos apresentados entre nós. O outro inglês era também o sargento Manson, louro de olhos azuis. O Sargento Coinman era um dos australianos. Ele era branco, de cabelos e olhos castanhos. O outro era o sargento Barr, ele tinha os cabelos louros e os olhos verdes. O menos graduado era Smith, que era soldado. Eu já era sargento. Ninguém era simpático, todos eram sérios e tinham um semblante malvado no rosto. É bem provável que até eu mesmo tivesse.

Seguimos para cumprir a missão afastando-nos da tropa por uma trilha subindo um morro. Ela era cheio de pedras em meio a grandes árvores. Andamos algum tempo até podermos avistar no alto do morro uma construção de concreto escondida, toda camuflada. Eu sabia que aquilo era o búnquer. Fomos rodeando-o, espalhados. Fui o primeiro a chegar à entrada abaixo dele. Havia um soldado japonês andando de um lado para o outro de guarda, no lado de fora. Eu cuidei para não ser visto, escondendo-me nos arbustos e saltei sobre ele. Esfaqueei-o nos rins, tapando a boca dele para não gritar. Ele logo caiu morto e parei na entrada esperando os outros chegarem. Eles logo chegaram atrás. O tenente inglês sinalizou para eu seguir a frente. E fui.

Logo no corredor eu podia ver um soldado japonês que vinha em nossa direção. Escondi-me atrás de uma parede, esperando-o. Quando ele passou por mim, saltei sobre o japonês e passei a minha faca na garganta dele. O tenente Jenkees ainda foi aparando-o enquanto ele caía morto. Segui em frente. Andei pelo corredor sem encontrar ninguém mais. Deparamo-nos com uma entrada de uma escadaria de ferro que subia em espiral. O tenente sinalizou para eu subir. Subi a escada estreita e íngreme entre um espaço de cerca de um metro. Eles vieram atrás. Chegando ao topo, espiei e vi que havia três japoneses ali.

Sinalizei para os outros que vinham atrás, dizendo por sinais quantos eram, e o tenente sinalizou para abrir espaço para ele. Comprimi-me na escada e ficamos três amontoados, sendo o tenente Jenkees, o sargento Manson e eu. Obs.: os três britânicos, afinal, eu era irlandês. Quando um dos japoneses aproximou-se e ficou de costas para nós, conversando algo com seus companheiros, ergui-me e saltei sobre ele. Enquanto isso, o tenente e o sargento inglês saltavam sobre os outros dois. Eu cortei a garganta do japonês rapidamente e vi ainda o mais afastado sacar o revólver para atirar no sargento inglês que tentava pegá-lo.

Como tínhamos que ser silenciosos, peguei a mesma faca que trazia em mãos e joguei-a em direção daquele japonês e atingiu-o no pescoço, de frente. Ele ainda tentou segurar o pescoço, largando a arma no chão, mas caiu morto. Olhei para o lado e o tenente tinha matado esfaqueado o outro. Tínhamos conseguido.

Smith chegou ao meu lado e reclamou sussurrando:

– Tinha que matar a maioria deles, sargento?! Não deixou nenhum para mim.

O tenente também me criticou, dizendo em sussurro:

– Era um trabalho de equipe. Se era para um matar todos, teriam mandado um só homem.

Não disse nada, mas senti-me injuriado. Pensei que, se não fosse eu, teria ocorrido um tiro e todo o nosso plano teria ido por água abaixo. Entretanto, eles não estavam errados. Eu realmente tinha matado a maioria dali. Somente o tenente havia matado um. Eu acabara com quatro japoneses.

O tenente Jenkees pegou um rifle e colocou-o encostado na janela. Ela era estreita e longa, própria para se atirar por ela. No cabo do rifle, pendurou um pano verde escuro. Nós sabíamos que esse era o sinal que as tropas precisavam para avançar. Eles veriam através de binóculos.

O tenente ordenou a mim e a Smith:

– Vocês dois, olhem sala por sala do Búnquer. Averiguem se há mais alguém. – Voltou-se aos dois australianos e ordenou: – Vão junto e dividam-se.

Nós quatro descemos as escadas e voltamos aos corredores. Eu e Smith fomos por um lado, ainda em silêncio, e os australianos para o outro. Passamos primeiro por uma sala cheia de armamento. Seguindo mais adiante, chegamos numa que logo ao abrirmos saiu um cheiro de bicho morto. Dentro dela havia quatro corpos de asiáticos civis, duas mulheres e dois homens, empilhados. Eles já estavam apodrecendo. Bem acima estava o corpo de um dos homens. Ele estava com os dedos das mãos cortados, totalmente espancado e nitidamente tinha sofrido torturas.

– Por que torturariam e matariam civis? – perguntou Smith e eu apenas sacudi a cabeça, sinalizado que não sabia.

Smith separou-se de mim e foi numa última sala sozinho. Eu fiquei olhando os corpos, chamando-me atenção que as duas mulheres estavam com as saias rasgadas, sem calcinhas e aparecendo as genitálias. Elas estavam sangrando e feridas, provando que elas tinham sido estupradas. Voltei a olhar para onde Smith tinha ido e ele voltava.

– Era uma cozinha – disse ele.

Voltei para o outro lado e estavam os dois australianos. Eles se aproximaram.

– Não encontramos ninguém – disse Coinman.

Olharam para dentro da sala e Barr questionou o mesmo que Smith:

– Por que fizeram isso com civis?

Ninguém respondeu. E saí dali e voltei para a entrada das escadas.

 

(Búnquer - Abrigo subterrâneo fortificado e/ou blindado, com grande armamento, construído para dar abrigo em situações de guerra, protegendo aqueles que se abrigam de projéteis.)





Traição

            Era noite, mas eu não dormia. Estava num acampamento de nossa tropa. Eu estava bem desperto, mas deitado no chão. De repente, comecei a ouvir passos e vi sombras. Levantei-me lentamente, pegando a minha faca que trazia na cintura e fui em direção do ruído. Chegando lá, constatei ser dois de nossos homens, um branco e um afrodescendente. O afrodescendente era o meu amigo Johnson; o outro era do outro pelotão que se unira a nós, louro e de olhos verdes. Seu nome era Parker. Ameacei a ambos com a faca, sorrindo, só para assustá-los.

Flagrando-se que era eu, Parker sussurrou um palavrão e disse:

– Merda, o sargento irlandês louco!

– O que os dois estão fazendo? – perguntei em sussurro, sério, pois não gostara do que Parker falara.

– Apenas vamos urinar, sargento – disse Johnson, dando um sorriso forçado, tentando amenizar aos coisas.

– Vão, mas não se afastem muito. Tomem cuidado.

Ambos pararam a alguns metros de mim e urinaram. E eu esperei. Quando os dois terminaram e retornaram, voltei ao lugar que estava deitado. Deitei-me, mas continuei acordado.

Ouvi Flores resmungar:

– Quero uma cama, por favor.

Ele estava quase ao meu lado. Fiquei tentando dormir, mas estava com insônia. Passou algum tempo, acredito que quase uma hora. Foi então que voltei a ver os dois levantando-se e andando. Isso me deixou desconfiado, principalmente depois do modo que Parker agiu ao me ver. Cutuquei Flores e sussurrei:

– Johnson e Parker estão fazendo algo estranho, mexicano. Vem comigo descobrir o que é – ordenei.

Flores obedeceu meio a contragosto. Levantou-se e nós seguimos Johnson e Parker. Vimos que eles entravam mata adentro e nós fomos atrás mantendo uma distância, escondendo-nos para não sermos vistos. Quando chegamos diante de uma baixada na mata, paramos e olhamos de longe. Iluminados pelo luar, os dois descerem uma trilha e chegarem num acampamento japonês, o qual eu nem sabia da existência dele tão perto. Abismei-me e perguntei pra mim mesmo – sem falar – o que os dois estavam fazendo, eu nunca imaginara que fosse isso. Eles fizeram sinais de luz com uma lanterna antes de se aproximarem do acampamento. Um japonês sinalizou para eles com outra lanterna e eles chegaram aos inimigos. Vi os dois falando com o soldado inimigo em japonês.

– Você sabia que eles falavam japonês? – perguntei sussurrando a Flores.

E ele negou com a cabeça. Eu senti meu coração disparar com aquilo, vendo que se tratava de traição. Sei que tremi, ficando nervoso e tentando entender aqueles dois colegas. Principalmente o Johnson, a quem eu considerava um amigo.

Até que o mexicano sussurrou:

– Não posso crer... Os dois são traidores!

– Eu também não posso – sussurrei.

Eles entraram numa tenda dos japoneses e ficaram por lá um tempo. Nós ficamos nos olhando, sem saber o que fazer.

– O que devemos fazer? – perguntou Flores.

– Eu não sei – disse nervoso. – Se eu chegar dizendo que são traidores para todos, o resto da tropa não acreditará, já que fui eu quem descobriu. Dirão que os dois fizeram algo e que eu estava tramando para matá-los como disseram que fiz com o tenente Wayner.

– Mas eu sou sua testemunha – disse Flores.

– Não contará muito! Somos amigos.

– E se contarmos o que vimos ao coronel? Ele certamente acreditará em nós – sugeriu Flores.

– Isso, você tem razão – concordei, depois lamentei abraçando o meu próprio rosto – Ah, não, logo o Johnson! – como viram pelas narrativas anteriores, Johnson era um dos meus melhores amigos, e também de Flores.

Vimos então os dois saírem da tenda e voltarem à trilha. E nós dois nos afastamos rápido, voltando para onde estávamos acampados. Chegamos antes deles e nos deitamos. Vimo-los passando por nós deitados e olhando a todos, inclusive a nós que fingimos dormir. Não consegui dormir mais e logo amanheceu. Pensava muito em Johnson, dedurar um amigo é muito difícil. Chamei o mexicano e antes que a tropa toda acordasse fui até o coronel, que dormia no chão como todos nós. Cutuquei-o e ele acordou, estranhando ao ver nós dois tão cedo em sua tenda.

– Por favor, senhor, – sussurrei – venha conosco! É importante!

Ele levantou e seguiu-nos, sem perguntar nada. Fomos para mais afastado dos dois e longe donde vimos estarem os japoneses. Contamos tudo o que vimos ao coronel. Ele ficou tão boquiaberto quanto nós.

– Não contei para o resto da tropa, porque acho que não irão acreditar em mim – expliquei afobado.

– É difícil acreditar que os dois sejam traidores, mas... Depois do que eles fizeram – disse Flores nervoso, mas bem mais calmo do que eu.

– Acalmem-se os dois! – disse o coronel. – Tenho uma ideia, mas preciso que vocês dois tenham sangue frio. Quero que vocês ajam com os dois como se nada tivesse acontecido. – E olhou para mim: – Principalmente você, Irving! Sei que Flores vai conseguir, mas você... Eu tenho minhas dúvidas. Você é sangue muito quente – que eu era esquentadinho.

– Eu juro que vou tentar me controlar – disse e ele sorriu.

E todos nós voltamos para junto do restante da tropa.

 

 

Eu passei tenso por outros soldados juntos de Johnson.

– Ei, sargento! – chamou Johnson como antes de eu saber que ele era um traidor, rindo e brincando.

Fui para perto dele, sério, num misto de irritado com triste. Ele começou a dizer besteiras engraçadas para todos que estavam ao redor e eu não prestei a atenção. Só pensava em como ele poderia ser um traidor. Aquilo me doía muito, principalmente porque gostava dele. Ao final, todos riram, menos eu. E ele notou.

– O sargento levantou hoje de mau-humor – disse o soldado Hart.

Não discordei. Apenas gritei, ordenando:

– Peguem suas armas! Vamos! Vamos andar.

Fui estúpido e grosseiro. O coronel passou por mim, segurou-me pelo braço e sussurrou:

– Sangue frio! – e eu entendi que era para eu moderar, mas era muito difícil.

 

 

Quando estávamos perto de um campo, um de nossos aviões cargueiros passou, largando de paraquedas várias caixas que nós sabíamos que eram munições, alimentos e remédios. Preparávamos para ir buscar a carga que caía, quando fomos atacados por japoneses que nos impediram de chegar à carga. Eles é que pegaram. Enquanto nos defendíamos, vimos que assim que eles pegaram a carga, os japoneses nos deixaram.

O coronel Lander aproximou-se de mim, de Flores e do major Welt, o qual deve ter ficado sabendo pelo coronel, e disse:

– Provavelmente foi isso que os dois informaram aos japoneses. Todos nós sabíamos da chegada da carga.

– Sim, – concordei.

– Vieram roubar a nossa munição – disse o major. – Logo ficaremos sem se não conseguirmos pegar outra carga e será fácil o ataque deles.

– Sei o que fazer – disse o coronel, confiante.

Chamou o soldado do rádio e pediu que ele ligasse com o outro pelotão ao sul. Ele logo obedeceu. O coronel foi para um canto isolado com o soldado do rádio, afastado de nós.

 

 

O coronel Lander chegava à tropa e falava:

– Tem um paiol que fica ao sul, a umas duas milhas! Nós iremos até lá. Senão conseguirmos munição, estaremos com grandes problemas... Por hora vamos descansar.

 

 

À noite, eu vi que Johnson e Parker novamente se levantarem pela madrugada. Não falei nada. Depois que eles partiram, o coronel Lander chegou ao meu lado.

– Vamos, contem a eles! – sussurrava para os dois contarem aos japoneses e sorriu para mim, fazendo-me flagrar que fazia parte dos planos dele os dois contarem ao inimigo.

Apenas o olhei sério e voltei a tentar dormir.

 

 

Estávamos andando. Ao invés de seguirmos ao sul, o coronel Lander fez nós irmos a sudeste. Johnson chegou a mim e perguntou:

– Não íamos para o sul?

Eu disse como se nada soubesse:

– Íamos! Mas o coronel deve ter suas razões para mudar a rota.

Ele concordou sacudindo a cabeça, claramente preocupado. E eu controlei a minha ira, de dar-lhe um grande murro.

 

 

Chegamos dentro de uma mata.

– Mande-os espalharem-se em diversos pontos ao redor e irem em silêncio, escondidos – ordenou-me o coronel e eu repassei a ordem. – Mas não mande os dois – referia-se a Johnson e a Parker. – Diga pra ficarem conosco.

Chegamos onde deveria ser o paiol. Ali, realmente havia muitas caixas empilhadas e os japoneses já estavam no local. Nós os víamos do alto, em uma baixada, no meio das árvores, camuflados. Vimos quando foi aberta uma das caixas e não havia nada nela.

– Johnson e Parker – chamou o coronel. Os dois se aproximaram dele e ele ordenou: – Vocês dois! Cheguem lá no meio dos japoneses e digam que eles estão cercados.

– Por que nós? – perguntou Parker, assustado.

– Alguém tem que fazer! – disse o coronel.

– Nós nunca avisamos... Vocês vão ficar à vista? – perguntou Johnson.

– Sim! – E ordenou sério: – Vamos, vão de uma vez!

Eles foram claramente apavorados. Desceram a rampa e foram ficando a vista dos japoneses. Esses não se importaram com eles, provando para todos que eram conhecidos dos inimigos. Um tenente japonês aproximou-se dos dois, sorridente, e curvou-se, uma forma amigável que o povo japonês tem de se cumprimentar.

Johnson falou em inglês agressivo, gesticulando com a cabeça ao japonês outra coisa:

– Vocês estão cercados, rendam-se!

O tenente japonês disse algo em japonês, confuso, sem entender. Parker repetiu o que Johnson dissera, sinalizando a sua volta, e só então o tenente flagrou-se do que acontecia. E a nossa tropa ficou visível.

Do outro lado, a outra de nossa tropa também se tornou visível. Todos apontaram suas armas aos japoneses e a Johnson e Parker. Os japoneses se renderam. O coronel foi direto nos nossos dois colegas apontando seu revólver, com Hart. Hart retirou as armas deles.

– Seus traidores miseráveis – chamou-os o coronel rosnando.

Os dois começaram a falar ao mesmo tempo, que eram inocentes, que não eram traidores, que o coronel tinha cometido um engano. O coronel foi até os dois e arrancou as insígnias deles.

– Vocês desonraram seu próprio país.

E eu e Flores ficamos mirando aos dois com nossos rifles. Meu coração quase saia pela boca já imaginando que ia acontecer com meu amigo. O coronel ordenou cinco de nossos homens para deixarem seus rifles aos pés dele. Eles os fizeram. Retirou as balas de um. Depois misturou os rifles e pediu que os cinco voltassem a pegá-lo. Eles os pegaram. Mesmo sem o coronel dizer, todos entenderam de que se tratava de um fuzilamento. Essa era a pena a quem fosse traidor. Os cinco ficaram logo em fileira diante dos dois, que estavam lado a lado, apavorados.

Eles continuavam dizendo que eram inocentes. Eu abaixei a minha arma e somente fiquei olhando, triste, sufocado. Logo o sargento Ladd disse:

– Preparar, apontar, fogo!

E os dois caíram mortos cobertos pelos tiros. Era estranho o sentimento de ser traído. Eu sentia como se fosse ferido sem o ser. Acho que todo o meu pelotão sentiu isso. Matar um colega que estivera com a gente durante tanto tempo, no treinamento, nos confrontos e na farra foi uma das piores sensações que tive, apesar de não ter dado nenhum tiro contra eles. Talvez por ter sido eu quem descobrira a traição.

E quanto a Johnson, eu não consigo ainda compreender as razões que levaram a traição dele. Isso me sufoca, já que como viram, ele sempre estivera comigo e era meu amigo. Gostaria de reencontrá-lo e perguntar o que passou pela cabeça dele ao cometer aquela traição. Como acredito em reencarnação, quem sabe quando nos cruzarmos nessa ou noutra vida eu possa fazer isso... Espero reconhecê-lo.

E os japoneses foram todos levados como prisioneiros.




Voltar para casa

             Estávamos acampados, descansando. Ao meu lado estavam meus amigos: Flores, Smith e Joshua. Mais distante de nós, à frente, estavam Hart e Byrne. Todos sentados no chão. Vi quando o sargento Ladd chegou em Hart e deu para ele uma carta. Disse:

                – Isso é para você, Hart.

                Hart pegou a carta, estranhando, abriu-a e leu. Gritou alegre:

                – Uau! – saltou muito feliz.

                Byrne perguntou para ele curioso, enquanto todos nós olhamos para ele, tentando descobrir o motivo de sua felicidade:

                – O que diz essa carta?

                – Eu vou pra casa! Fui dispensado! – gritou ele eufórico. – Eu vou pra casa!

                Nós sorrimos felizes por ele. Parabenizamo-lo. E ele saiu correndo do nosso lado, para ir embora. Ainda abanou, despedindo-se. E todos nós ficamos de repente tristes. Eu senti inveja dele, mas não falei nada. Acho que os outros também. Questionava em pensamento: “Por que não me mandam para casa?” Mas foi Smith quem perguntou:

                – Qual o critério para um de nós sermos dispensado?

                – Não faço ideia – disse.

                – Nem eu – disse Joshua e Flores uníssonos.

                – Eu queria muito voltar para casa, já estou a tanto tempo aqui – completei.

                – Nós também, Irving! Viemos juntos – disse Flores, mostrando Smith e Byrne.

                – Sim, nós nos conhecemos desde o treinamento – disse Byrne indignado. – Quanto tempo estamos aqui nesse inferno? Três ou quatro anos?

                – Acho que três e meio – disse.

                – Eu estou antes de vocês – disse Joshua, triste.

                – Hart chegou bem depois de nós todos – disse Smith. – Por que ele vai ser dispensado e nós não?

                Ninguém sabia e ficamos todos falando de injustiça e etc. Eu então levantei e disse:

                – Sabem de uma coisa? Vou perguntar para o coronel – e todos incentivaram.

                Fui. Entrei na tenda dos oficiais. O coronel Lander e o capitão Koch jogavam xadrez, sentados diante a uma pequena mesa onde estava o tabuleiro. Parei diante aos dois, fiquei em posição de sentido e bati continência. Os dois não se mexeram, concentrados olhando ao jogo.

                – O que você quer, Irving? – perguntou o coronel, sem vontade e sem me olhar.

                – Qual o critério para um soldado ser dispensado e voltar para casa?

                – O quê? – perguntaram juntos o coronel e o capitão, voltando-se para mim.

                Expliquei:

                – Hart ganhou dispensa e foi para casa. Por que ele foi escolhido? Foi o senhor quem o escolheu, coronel?

                – Não! Mas... Bom pra ele.

                – Quem escolhe quem vai ser dispensado?

                – Não tenho a menor ideia. Você sabe, capitão? – e o Koch negou. –E ele já vai tarde! Não sentirei a falta dele. Se ficasse mais, seria morto.

                – Então... Vocês não sabem? – perguntei aos dois.

                E os dois concordaram. O coronel ainda disse:

                – Eu também quero ir pra casa.

                – E eu também – disse o capitão.

                Sorri para os dois. Bati continências e sai, voltando para junto dos outros soldados. Logo fui informando:

                – Eles não sabem! Não são eles quem decide.

                Sentei entre Flores e Joshua, pensativo. Smith disse pensando alto:

                – Feridos...

                – Nem todos os feridos são dispensados. Já estive ferido diversas vezes e não me dispensaram – completei. – E Hart não estava ferido.

                – É, você tem razão... Carter foi por que ficou paralítico. Gomes por ter ficado cego. Lincol por ter perdido o pé. Então, mutilação dispensa a gente. Hart, Lewis e Gasparetto... não sei.

                – Diaz por ter perdido a mão esquerda – completou Flores.

                Todos concordaram e eu disse:

                – Então, mutilação dá dispensa – e todos concordaram.

                – Também, como alguém vai lutar mutilado? – perguntou Byrne.

                – Vamos tentar descobri, desses que não foram mutilados – continuou Smith. – Eram ótimos soldados? – perguntou a todos.

                E houve muita discussão. Todos concordamos que não eram.

                – Péssimos? – todos negaram, dizendo que eram soldados mais ou menos. – Algum deles salvou alguém? – todos negaram. – Algum fez algo heroico? – todos negaram. Smith olhou para nós e perguntou diretamente: – Algum de vocês fez algo salvando alguém? – Todos ergueram os braços. – Então todos nós fizemos algo heroico... Então está aí o motivo da dispensa, soldados ruins vão para casa, os bons ficam. Os ruins e os mutilados voltam pra casa.

                Entristecemos.

                – Isso não é justo – disse Byrne triste.

                – Mas é lógico – disse também triste. – Para vencerem a guerra, tem que ser os melhores... Ninguém vence a guerra com péssimos soldados – todos concordaram.

                Eu também me senti injustiçado, porém não falei nada. Estava louco para ir para casa. O interessante era que me lembrava da Irlanda e pensava em voltar para lá. Lembrava-me do tempo em que ficara ajudando papai com a produção de mel (Ida para os Estados Unidos, Livro 1, pág. 54). Lembrava até de mamãe servindo bolo e me dando carinho. Mesmo que soubesse que não ia encontrá-la mais lá, a relacionava com a Irlanda. Não recordei nada dos Estados Unidos, nem de nenhum momento bom com Kristie.

                Pensei que se queria ir pra casa, eu deveria fazer tudo errado. Era isso que eu pretendia fazer. Não ia mais me atirar de cabeça nos combates.

 

 

                No outro dia pela manhã nos confrontamos com os japoneses. Tentei ser ruim. Procurava me defender e não mais atingir aos japoneses. Todavia, vi quando um japonês ia atingir Flores. E eu, não podia deixar que matassem meu melhor amigo. Acabei matando o japonês e salvando a vida dele. Vi quando outro japonês ia atacar com uma faca Smith, não conseguia deixar isso. Não considerava Smith meu amigo, mas era companheiro e não podia permitir que um japonês fizesse isso. Vi que uma metralhadora ia atingir Byrne e saltei sobre ele, impedindo que suas balas o matassem. Não dava para ficar parado e não me importar com eles. E quando um japonês saltou diante do coronel, tive que protegê-lo, era mais que um oficial, era meu amigo. Em resumo: não consegui ser um mau soldado.

                Flagrando-me disso, quando terminou enfureci de raiva e me prometi que seria ruim no próximo. E aconteceu outro, e eu continuei sendo o mesmo. Era contra meus princípios deixar que matassem meus colegas e os oficiais. E eu sempre fazia de tudo para salvá-los. Pestanejei, maldizendo a mim mesmo por isso. O terceiro confronto foi a mesma coisa. Parei chorando forte, pois sabia que não tinha como eu mudar, não ia deixar que ninguém matasse meus companheiros e nunca iria desobedecer uma ordem.

                Smith parou a minha frente vendo que eu chorava. Perguntou:

                – O que está acontecendo, irlandês? Por que está chorando?

                – Porque eu nunca irei par casa...

                – Ah? Claro que vai!

                – Não! Eu não consigo ser ruim... Há três combates estou tentando, e eu não consigo – chorei.

                – Ah, é isso! Eu também estou tentando, mas não posso permitir que matem meus colegas, nem deixar que esses japoneses vençam. Somos dois.

                – Três – disse Byrne, intrometendo-se em nossa conversa. – Quero tanto ir pra casa, encontrar-me com a Priscila, casar com ela. – Mas não consigo deixá-los nos vencer...

                – Então não vamos pra casa – disse. – Não consigo mudar.

                Flores intrometeu-se e disse:

                – Vamos sim! Nós vamos ganhar a guerra e quando ela terminar, iremos todos para casa como vencedores!

                Eu não acreditava que ia sobreviver a guerra, mas não discordei. O que ele falou dava esperança aos outros. Smith e Joshua concordaram em ele e vibraram, entusiasmados.

 

 

                Passados alguns dias, Byrne parou no meio de nós e disse:

                – Ouçam! Hoje eu vou para casa de qualquer jeito – eu estranhei.

 

 

                Um pouco mais tarde no mesmo dia entramos em combate. Byrne estava ao meu lado, quando o vi pegando uma granada. Pensei que ele ia jogá-la nos inimigos, mas não. Ele tirou o pino e espichou o braço, sem lançá-la. Virou o rosto e fechou os olhos. A granada explodiu com a mão de junto. Eu apavorei-me.

 

 

                Dois padioleiros levavam Byrne já com o que restava do braço com curativo e disse para mim e para Smith quando nos aproximando. Sorria:

                – Eu disse que ia pra casa hoje!

                Nós dois nos olhamos sérios e tristes por ter sido apenas desse jeito que ele conseguira ir para casa. Fomos para junto dos outros e todos diziam que ele era louco. Disse para todos:

                – Ele não era louco, nem foi loucura. Foi na realidade, saudade de casa...




Série "Crônicas de Guerra"


O Campo de Prisioneiros

 

Corria no meio da tropa ao encontro do coronel Lander. Estava afobado e ansioso. Cheguei diante a ele, no meio da tropa, chamando-o:

– Coronel! Senhor, venha comigo até Flores. Rápido!

Ele seguiu comigo sem perguntar nada. No caminho, enquanto atravessava em meio à tropa, dizia para ele:

– Flores avistou algo estranho pelo binóculo.

Chegamos num local mais afastado, numa rua larga, onde estava Flores, Joshua e Johnson. Estávamos dentro de uma cidade destruída, mas havia uma pequena mata que subia um morro a nossa frente, mas distante. Ao ver o coronel comigo, Flores sinalizou para ele se aproximar. Apontou uma direção a nossa frente, no meio da mata.

– Senhor, veja com o binóculo no canto esquerdo e no direito – apontou para onde via no morro.

O coronel Lander olhou para o lado esquerdo e viu algo. Depois olhou para o direito e também viu. Voltou-se para trás e gritou:

– Major Welt! Venha cá!

Enquanto ele fazia isso, passou para mim o binóculo. Olhei por ele e vi a ponta de duas torres feitas de madeira. Depois abaixei o binóculo e fiquei na expectativa.

Chegando o major, o coronel ordenou:

– Olhe no binóculo para lá – apontando para uma direção.

Passei o binóculo para o major e ele olhou no binóculo. Disse surpreso:

– São torres! É estranho! Estão próximas da cidade, ou até dentro.

– Pode ser uma base inimiga – supôs o coronel.

– Pode ser! Mas não temos nenhuma informação de algo naquela direção. Pelo que sei, só há uma universidade.

– Vamos verificar! – decidiu o coronel.

Depois deu um tapa cordial nas costas de Flores e disse:

– Parabéns, Flores! – Olhou a nós quatro e ordenou: – Se preparem para avançar. – Gritou para a tropa: – Vamos seguindo na cidade, naquele sentido, – mostrou a mata – mas com cuidado.

Eu repassei a ordem como sargento, gritando para todos mexerem-se.

Chegamos à mata, passamos por ela. Fomos espalhados, prontos para o ataque. Porém não houve confronto. Até que chegamos num ponto em que o coronel ordenou para que parássemos, ficando no fim da mata. Todos aguardaram. Parei ao lado do coronel e do major.

Víamos que ali havia uma entrada com portões altos e um grande prédio. O local era altamente cercado por arame farpado, com torres feitas de madeira e vários barracões, destoando com o prédio ao centro. Parecia que tinha sido feita depois, sobre a universidade. Não parecia uma base. Eu olhei e perguntei ao coronel:

– O que é isso, senhor?

– Não sei! – sussurrou. – Mas pelo jeito que está protegido, parece uma prisão, ou um campo de prisioneiros japonês.

Flagrei-me imediatamente que os prisioneiros deveriam ser soldados americanos e aliados. O coronel logo disse para o major:

– Vamos atacar e libertar seja lá quem estiver aí dentro. – Ordenou-me: – Sargento, mande os homens dividirem-se e atacarem primeiro as torres. Devem usar bazucas e morteiros – repassei a ordem. – Agora! Ao ataque!

Atacamos com força total. Os soldados japoneses das torres revidaram, tentando nos impedir de avanças, mas nós estávamos em grande número e o ataque foi grande. Lentamente fomos invadindo, derrotando as torres primeiramente como o coronel ordenara. Tiros de morteiros e bazucas tornaram aquele campo um verdadeiro inferno.

Conseguimos logo entrar pelos portões, arrombando-os. E assim fomos entrando. Quando eu estava no meio do campo, mais afastado do coronel Lander, parei e vi quando saíram de dentro os prisioneiros. Tinha muitos norte-americanos, mas eram a maioria nossos aliados: britânicos, canadenses e australianos.

Ao ver uns oficiais britânicos se aproximando do coronel, Flores parou ao meu lado e chamou-me a atenção:

– Irving, são britânicos! – Perguntou-me, rindo: – Não está contente de encontrar compatriotas, irlandês?

E eu sorri, percebendo a brincadeira dele.




Série "Crônicas de Guerra"

 

Trincheira

        Terminávamos de cavar um buraco e colocávamos sacos de areia para ser uma trincheira. Havia uma corda enrolada no  chão. Eu pisei nela e me enrolei, caindo dentro do buraco da trincheira. Fiquei com parte do corpo enrolado na corda, o que me deixou de certa forma amarrado. Caí de lado, em meio à lama do local e com os braços para trás.

Como fiquei amarrado, caído de lado, no meio do buraco cheio de lama, acabei lembrando-me de quando fui torturado e jogado dentro da cova. Minha mente ficou como que saturada daquele momento tão horrível que passei, dos quatro dias dentro de uma cova, amarrado, sem comer, sem beber, tentando sobreviver. Eu não sei como fiquei, mas não consegui mais me mexer apesar de não estar preso realmente e o buraco da trincheira nem ser tão profundo quanto à cova.

A lembrança foi tão forte, que acredito que passei a revivê-la. Ouvia os chamados de meus colegas e não conseguia voltar onde realmente estava.

Ouvi a voz de Flores:

– Coronel, aconteceu algo com o Sargento Irving! Ele está estranho.

Eu queria retornar e voltar a mim, mas não conseguia. Era mais forte a sensação de estar novamente naquela cova, amarrado e ferido.

De repente senti dois tapas fortes dados no meu rosto e vi que já estava fora da trincheira, desenrolado, sentado no chão. Não vi quem deu os tapas. O coronel estava diante de mim, o mexicano num dos lados, no outro Becker e atrás, vários de meus colegas, inclusive Johnson.

O coronel perguntou;

– Está melhor, sargento? – e eu sinalizei com a cabeça que sim. Mas estava desorientado.

– O que estávamos mesmo fazendo? – perguntei confuso.

– O que aconteceu, sargento? – perguntou Flores. – Por que você estava daquele jeito estranho, irlandês?

Eu não respondi e recordei novamente da cova. Becker ousou dizer:

– Você se lembrou de quando foi torturado, amarrado e jogado na cova, não foi, sargento? – sacudi a cabeça, afirmando, triste. – Eu sabia. Vi pela posição que ficou: a mesma que tinha ficado quando foi jogado na cova – Becker reconhecera por ter me visto na cova, quando tinha sido torturado e preparavam para me enterrar vivo.

Becker tocou no meu ombro e sussurrou:

– Não lembre mais daquilo, foi um momento muito ruim, mas já acabou.

Eu não disse nada. Mas era uma coisa difícil de esquecer.



Série "Crônicas de Guerra"

A Alemã

 

Findara uma batalha onde saímos vitoriosos. Eu andava no campo de batalha  supervisionando se havia ainda algum inimigo em combate. Foi quando Becker chegou a mim e pediu:

– Sargento, por favor, venha ver os prisioneiros dos inimigos. Senhor, há algo estranho entre eles.

Eu fui, sem desconfiar do que seria. Chegando lá, não havia nenhum soldado nosso nem aliado, apenas uma mulher. Ela era linda, branca, esguia, alta, de cabelos negros lisos longos soltos. Os olhos dela eram negros. Porém ela estava maltratada e suja. Vestia uma saia justa e uma camisa social azul claro. Tinha um corpo perfeito, digno de uma miss. Alta, beirava a minha altura. E tinha entre 23 e 25 anos.

– Só havia ela, senhor – disse Becker.

Vi o coronel Lander parando ao meu lado.

– Quem é você? – perguntei a ela.

Ela falou com um sotaque alemão:

– Sou Raquel Weimer. Sou alemã e vim para a Ásia tratar de negócios empresariais.

– Por que foi presa pelos japoneses se é alemã? Os alemães são aliados dos japoneses.

– Eu não sei – disse, mas depois se embaralhou toda, talvez por flagrar-se que nós éramos inimigos tanto dos japoneses quanto dos alemães. – Sou neutra! Apoio aos aliados! Não que eu tenha traído o meu país, mas detesto o que Hitler está fazendo.

O coronel olhou-me e ordenou:

– Leve-a para um dos quartos daquela casa – apontou para uma pequena casa que estava ali próxima. – Tranque-a no quarto e fique junto com ela. Depois irei conversar com ela. – Puxou-me para o lado e sussurrou: – Tenha cuidado e a máxima atenção com ela. Ela pode ser perigosa.

Eu afirmei que havia entendido e fui até ela. Solicitei delicadamente:

– Por favor, venha comigo! – e ela veio.

Enquanto andávamos até a casa, os outros soldados olhavam-na maliciosos. Até Flores e Johnson, que estavam com o Arlen, olharam para mim, sinalizando que eu estava com uma mulher que os fazia babar. Ficavam de boca aberta, fazendo caretas e eu me controlava para não rir. Chegando à pequena casa, passei para o quarto, como o coronel ordenara. Tranquei a porta.

No quarto havia apenas duas camas de solteiro. Tinha uma janela trancada por fora por taboas e pregos. A alemã sentou-se numa das camas e eu fiquei encostado na porta, em prontidão. O coronel demorou muito tempo para vir. Passei toda a manhã naquele lugar e naquela posição, até que o mexicano abriu a porta trazendo dois pratos de comida.

– O coronel Lander mandou para ela comer – disse Flores. – O senhor também pode comer. Vou ficar junto, pois já almocei.

Ela pegou o prato, um que metal, dela e começou a comer sentada na cama. Eu sentei na outra cama e comecei a comer também, enquanto o mexicano ficava na porta em prontidão.

Enquanto ela comia, perguntou para mim:

– Qual o seu nome?

– Irving! – respondi.

– E você? – perguntou para o mexicano.

– Sou Flores! – respondeu.

– Notei que você – apontou a mim – é um sargento e que você – apontou para o mexicano – é um cabo. Negocio muito com militares.

– Militares alemães ou japoneses? – perguntei irônico, falando de nossos inimigos.

Ela empalideceu com a minha pergunta e não respondeu. Continuou a comer, e junto a chorar. Quando terminamos, passei os pratos ao mexicano que saiu dali, deixando-nos sós outra vez. E voltei a minha posição diante a porta.

Quando estávamos sozinhos, ela disse soluçando:

– Não estão sendo justos comigo. Sou uma boa pessoa e ser alemã não significa nada. Muitos dos alemães são contra o governo nazista e eu não sou nazista. Muito antes da guerra a minha família já fazia negócios com a Ásia.

– Então me diga por que foi presa pelos japoneses. Talvez esteja aí a sua inocência.

– Eu não sei – teimou. – Há uma semana recebi uma carta de uma tia da Alemanha e ela disse que toda a minha família foi presa.

– Sabe por quê? – perguntei.

– Na carta ela dizia que todos que tinham origem judaica estavam sendo presos.

– Você tem sangue judaico?

– Tenho!

Ela pela primeira vez me pareceu sincera. Eu também desconhecia sobre a perseguição nazista aos judeus e acho que nenhum de nós sabia disso. Ela desatou a chorar forte e isso me deu pena. Aproximei-me dela e sentei ao seu lado, passei o braço sobre o ombro dela, em consolo. Era uma atitude um tanto arriscada, pois se ela fosse inimiga podia pegar uma de minhas armas e me dominar, ou até mesmo me matar. Entretanto, não foi o que aconteceu.

Quando ela parou de chorar, disse:

– Obrigada por acreditar em mim!

Levantei-me e sentei-me na cama a frente dela, sem medo. Disse:

– Acho você muito inteligente! Fez algum curso superior?

– Sim! Sou Bioquímica com especialização em – acho que era esse o curso, não tenho certeza – Farmacologia.

Eu abismei-me e flagrei-me que ela podia ser muito bem inimiga. O coronel fazia muito bem em ficar desconfiado dela.

– Fala alguma língua a mais, além de Alemão e Inglês?

– Sim, falo ainda chinês, japonês e judaico.

E eu admirei-me mais, pois beirávamos a mesma idade e eu não tinha nem um terço do conhecimento dela.

– A empresa de minha família produz remédios e os vende para vários países, por isso eu tive que aprender tantas línguas – explicou ela. Depois ela ficou um tempo me olhando e disse sorrindo: – Você sabia que é muito bonito?

Preocupei-me com as palavras dela e fiquei desconfiado. Levantei-me e fiquei de pé, diante da porta, em prontidão, como deveria sempre estar e nunca ter saído. Olhei-a sério. Vendo a minha reação, ela disse:

– Não pense mal de mim, só foi um comentário. Desculpe-me. Não vou mais tocar no assunto.

 

 

Eu continuava de prontidão e em silêncio quando chegou o soldado Smith trazendo agora a nossa janta. Peguei meu prato e comi ainda de pé, com Smith ao meu lado. Ela comeu sentada. Comemos sem dizer mais uma palavra. Demos os pratos ao soldado que saiu dali. Eu já estava indignado de ter passado o dia inteiro ali, sem ser substituído. Preferia ficar em confronto a ficar parado do jeito que eu estava.

Foi então que Raquel pediu para mim:

– Sente-se aqui – apontou a cama diante dela. – Não tem porque ficar sempre de pé todo esse tempo.

Como já estava com dor nas pernas, sentei.

– Sou viúva e não tive filhos – disse ela. – Meu marido morreu num acidente de carro. E você, é casado? – e eu não respondi. Ela insistiu: – Já estou cansada de ficar aqui o tempo todo quieta e só quero conversar com alguém.

Então eu respondi:

– Não!

– Por que não é casado?

– A guerra não deixou.

Ela sorriu e disse:

– Ainda há tempo.

Aproximou-se de mim e pegou minhas duas mãos e sorriu. Eu sorri, mas retirei as mãos da dela. Ela recuou, notando o quanto eu estava arredio.

– Só por que eu lhe achei bonito, não precisa ficar desse jeito. Sempre gostei de ruivos e tive dois namorados ruivos. Não sou uma assassina alemã.

Eu fiquei a olhando e não disse nada.

 

 

Era madrugada. Eu estava sentado naquela cama diante a ela, encostado a parede, dormindo. Parece que fui desperto sentindo as mãos dela me massageando os ombros. Ela estava ajoelhada ao meu lado. Temi, ao ver que não estava com o meu rifle. Procurei-o e o vi encostado na parede perto da porta. Meus revólveres também tinham sido tirados de minha cintura, com coldre e tudo, e estavam no chão ao lado do rifle. Tentei afastar-me dela.

– Relaxe! – sussurrou ela. – Coloquei suas armas perto da porta. Não se preocupe. Elas ainda estão lá.

Com a massagem dela, acabei relaxando e deixei-me levar. Pensei que ela pudesse me matar, depois não me importei. Que ela me matasse então. Eu não ligava, queria morrer mesmo. Mas ela não me matou.

Após a massagem, com nós dois no escuro e apenas iluminados pela claridade da lua que vinha de um buraco na parede no alto, ela sussurrou:

– Está melhor?

– Sim.

Foi então que ela pulou, enlaçando-me com as pernas e ficou no meu colo, a minha frente. Fiquei surpreso e ela começou a me beijar nos lábios, segurando meu rosto. E retribui, deixando-me levar.

 

 

Estava deitado no chão, aos pés das camas, nu, com Raquel nua, deitada sobre meu peito. Eu havia transado com ela. A luz do dia já entrava pelo buraco e eu, de repente, fui tomado pela razão. Se o coronel ou alguém me visse e descobrisse que havia transado com uma prisioneira, seria, com certeza, punido. Não tinha ideia do que aconteceria, mas que aconteceria alguma coisa era fato. Acordei-a.

– Vista-se, por favor! – pedi suavemente.

Ela levantou-se e foi vestindo-se. E fiz o mesmo, ligeiro, nervoso e agitado. Quando já estava vestido e armado, parei diante da porta em prontidão, sério.

E ela, após vestir-se, parou a minha frente e sussurrou:

–Tenha calma.

Em seguida beijou-me nos lábios, acariciando o meu rosto e sorriu. Depois se afastou e deitou-se na cama, fingindo dormir. Foi mal ela ter feito isso, a porta foi aberta. Estavam diante da porta o coronel e o soldado Johnson.

– Pegue a prisioneira, Johnson! – ordenou o coronel. – E você – voltou-se a mim – está dispensado, sargento!

Eu ainda olhei Raquel fingindo ser despertada por Johnson. Depois ela seguiu com ele. Saí do quarto, passei pela sala e parei na rua, diante da casa. O coronel saiu e em seguida Johnson e Raquel. Um jipe parou a frente deles, dirigido por outro soldado. O mexicano parou ao meu lado. O coronel, Raquel e Johnson entraram no jipe, dirigido por Hart. Quando estava entrando, Raquel fez uma panorâmica em todo o acampamento até que parou ao ver-me. Deu um leve sorriso e entrou no jipe. Entendi aquilo como uma despedida. Eu nunca mais a veria.

Após a partida do jipe, que acompanhei com o olhar, o mexicano perguntou:

– Como foi ter ficado todo esse tempo com aquela deusa?

Eu apenas sorri, sem contar nada do que acontecera nem a ele nem a ninguém. Ninguém podia saber daquilo.


Série "Crônicas de Guerra"


Gratidão

     Parávamos de andar e sentei no chão, ainda me sentindo muito triste. De pé, ao meu lado esquerdo, estava Flores. E no direito, estava Johnson, sentado. Sentia uma grande coceira nas pernas, na altura das canelas. Estava um bom tempo sentindo aquela coceira, só então nós paramos e eu pude coçar sob as calças. Mas como a coceira era demais, decidi tirar os coturnos e erguer as pernas das calças para coçar. Ao erguê-las, as vi inchadas, numa ferida só, vermelha esbranquiçada, purgando. Eu surpreendi-me.

– Deus, como estão as suas pernas, irlandês! – disse Flores, espantado.

– Não coce, Irving! Será pior! – disse Johnson. – Médico! – chamou o médico do pelotão.

O médico chegou e olhou minhas pernas, agachando-se. Perguntou:

– O que sente?

– Muita coceira.

– Algo mais? Sente-se febril, enjoo ou vontade de vomitar?

– Não, só coceira.

– Parece uma dermatite. Pode ter sido causada picadas de insetos, alguma comida, ou até pela passagem em alguma planta – levantou-se. – Não é nada.

– Vai me dar algum remédio? – perguntei.

– Não tenho nada para isso. Talvez num posto da cruz vermelha tenha algo. Não há nenhum por aqui. Aguente e evite coçar.

Eu abaixei as pernas das calças e calcei os coturnos outra vez. E fiquei controlando-me para não me coçar, mas era difícil.

 

 

Estava em meio a uma batalha. Dividia atirar com um revólver e me coçar. Agora eu sentia coceira não só em minhas pernas, também em meu peito, costas (abaixo, perto da cintura) e no rosto, na bochecha. Todavia, mesmo assim, consegui me defender. Logo acabou o confronto. As feridas estavam sobre as outras feridas que mal estavam cicatrizando no rosto (das torturas anteriores e do tiro de raspão).

Foi quando o coronel passou a minha frente, apavorou-se e perguntou:

– O que tem no seu rosto, Irving?

– Nada – disse.

– Médico! – chamou ele.

O médico outra vez veio até mim, e olhou a ferida do meu rosto. Disse:

– É como aquelas das pernas, um surto epitelial. Tem coceira em mais algum lugar?

– No peito, na mão e nas costas.

O médico olhou primeiro minha mão direita, depois me fez abrir a camisa da farda e olhou de perto, com grande área em ferida, purgando, vermelho esbranquiçado. Olhou as minhas costas, e essa eu não consegui ver.

– Estão todas iguais! Deixe-me ver as tuas pernas outra vez! – pediu.

Eu sentei-me no chão. Tirei os coturnos outra vez e antes de ter levantado, todos se assustaram, inclusive eu. Minhas pernas estavam tão inchadas que ficaram justas nas calças. Purgavam tanto, que estavam encharcadas e grudara o tecido. O médico forçou-me a levantar o tecido e eu gritei de dor ao tentá-lo erguer. O médico então pegou uma faca e cortou o tecido e só assim pode erguê-lo e ver.

O coronel perguntou agressivo ao médico:

– O que é isso que ele tem?

– Não sei ao certo, parece uma dermatite – disse o médico mais uma vez. – Não tenho nenhum remédio para isso. Ninguém pode fazer nada, a não ser limpar as feridas.

Deram-me uma nova calça, de número maior para ficar mais solta.

 

 

Nós chegávamos num vilarejo. Eu vinha atrás do coronel, seguido do mexicano e por Flores, bem como Letter. Agora sentia coceira em quase todo o rosto. Ele estava tão inchado que meus olhos estavam pequenos. Eu podia ver que sobre minha mão direita também estava cheio de feridas. Paramos no meio da rua e havia muitos civis asiáticos andando na rua, homens e mulheres, a maioria crianças e velhos.

Fizemos uma roda, entre eu, Johnson, Flores, Joshua, Smith e Letter. Johnson comentou:

– Você está com uma aparência horrível, irlandês.

Letter ironizou:

– Irving está agora com a sua real aparência de monstro – e riu.

Olhei-o zangado e sinalizei a ele um palavrão. Smith comentou:

– Acho estranho não haver nenhum remédio para isso.

Nesse momento, um idoso asiático aproximou-se de nós e veio até mim. Olhou o meu rosto, as feridas nele e falou com mal inglês:

– Curar isso sei!

Eu surpreendi-me e perguntei:

– Curar? Você sabe realmente como me curar?

E ele sacudiu a cabeça, afirmando, e disse:

– Sim. Quer? – sacudi a cabeça afirmando. – Venha!

Puxou-me e eu não fui. Ele parou, estranhando. Sinalizei para esperar. Procurei o coronel, para pedir permissão, e somente nesse instante observei que ele estava quase ao meu lado. Ele foi logo dizendo sem ter eu nem ao menos perguntado:

– Vá! Tem permissão! Johnson e Flores, vão com ele.

Sorri e fui até o asiático. Ele disse:

– Só tem uma condição...

E eu preocupei-me. Perguntei:

– O quê?

– Após curar você promete fazer o que eu pedir.

– O que o senhor vai pedir? – perguntei, preocupado.

– Não agora dizer! Depois! Cura, primeiro!

Eu duvidei, mas como não me aguentava mais e deseja muito ser curado, logo decidi:

– Tudo bem, eu aceito!

Ele me puxou para uma casa perto dali. Johnson e Flores vieram atrás. Entrei na casa e ele me puxou para um dos quartos, passando por uma sala, onde havia duas meninas brincando com uns potes de barro. As meninas saíram logo que entrei. No quarto, não havia cama, só uma esteira no chão. O velho mandou:

– Armas, dê amigos! Tirar toda a roupa!

Dei minhas armas ao mexicano e tirei a roupa. Quando estava somente de cuecas, perguntei:

– Devo tirar ela também?

– Feridas por lá? – apontou para o meio de minhas partes íntimas.

– Não!

– Então tirar não precisar.

Depois ele pegou todas as minhas roupas e saiu para rua, e como eu estava quase nu, não o segui. Johnson o seguiu, levando consigo as minhas armas. Fiquei um tempo olhando para o mexicano, confuso pela demora. O velho voltou trazendo um pote com água e um pano. Johnson veio atrás dele.

– Ele queimou as suas roupas – disse Johnson.

Assustei-me e perguntei:

– O que vou vestir? – e Johnson bateu os ombros.

– Deitar! – ordenou o velho.

Deitei e ele passou aquele pano por todo o meu corpo, mesmo nas partes não atingidas pelas feridas. Depois saiu dali e voltou trazendo um pote com uma pasta feita por ervas, ataduras e um pote cheio de folhas. Passou pacientemente em todas as feridas a pasta, colocando sobre elas umas folhas e enfaixando. Enfaixou inclusive o meu rosto, passando as ataduras até acima de meus cabelos, deixando somente acima dos olhos e abaixo da boca, livre.

Depois disso, preparou e deu-me um chá.

– Durma! – mandou-me o velho. – Chá sono.

Eu estirei-me na esteira e ele me tapou com uma coberta laranja. E acho que dormi.

 

 

Fui despertado pelo mexicano que me sacudia. Vi ao meu lado o coronel Lander e Johnson. Flores disse:

– Temos que partir, Irving! Você está dormindo há um dia.

Surpreendi-me por ter dormido tanto e sentei na esteira. O velho disse para o coronel:

– Esperar mais, ele curado.

O coronel disse agressivo:

– Não vou ficar esperando Irving, temos uma missão a cumprir.

Eu comecei a tirar a atadura do rosto ligeiro, preocupado por estar trancando a tropa. O velho olhou-me desgostoso e começou a ajudar-me. Logo tiramos as ataduras e as folhas. O coronel, Johnson e o mexicano espantaram-se com o estado que estavam as feridas. Eu não via, mas já não sentia coceira, nem o inchaço. Eu olhei a minha mão e só tinha uma casca na ferida dela. Olhei o meu peito e as pernas, e ambos estavam como a mão. Toquei no rosto e senti o mesmo. Sorri para o velho.

– Funcionou! Muito obrigado – agradeci ao velho e ele curvou-se, sorrindo, retribuindo ao agradecimento.

O velho ainda me estendeu uma muda de roupas, que consistiam em uma calça da cor de algodão cru e uma camisa branca. Eu vesti a ambos. Parei diante do velho e perguntei:

– O que o senhor quer que eu faça para pagar a dívida que tenho com o senhor?

Ele disse dando um sorriso forçado:

– Mate-me!

Todos nós nos surpreendemos. E eu questionei confuso repetindo:

– Matar o senhor?

– O senhor não pode pedir isso a ele – intrometeu-se o mexicano, nervoso.

– Isso é uma loucura! – falou também Johnson. – Como o Irving vai matar alguém que a pouco o curou?

– O que o senhor pede a ele é constrangedor – disse o coronel.

E o velho disse agressivo:

– Ele prometeu! Parte minha fiz! Ele fazer parte dele!

– Por que quer que faça isso? – perguntei sério.

– Quatro filhos, dois netos e esposa mortos – disse o velho. – Não ninguém mais. Direito meu querer morrer. Mas coragem não ter. Para vocês matar mais um diferença não fará.

Fiquei me lembrando de minha vida, do que passara e de meu desejo de morrer. Ele tinha mais motivos que eu de desejar a morte. Johnson e Flores argumentavam ainda para ele não desejar aquilo, quando eu saquei o revólver de Johnson e o matei com três tiros no peito. Foi de surpresa, até mesmo para o velho. Logo ficou caído no chão, morto.

Johnson e Flores me olharam espantados, o coronel não. Estava sério. Ficamos alguns segundos em silêncio, até que o coronel ordenou:

– Vamos embora.

Saímos dali e eu não sentia nada pelo que havia feito, julgava-me certo. Tinha quitado a minha dívida. Fomos andando e nos reunindo com a tropa. Letter chegou até Johnson e perguntou:

– O que foram aqueles tiros?

E Johnson falou indignado comigo:

– O Irving matou o velho.

Letter empalideceu. Passamos andando pelos corpos de três soldados americanos mortos e o coronel mandou-me:

– Retire a farda de algum deles e vista-a e tire essa roupa de civil. – Depois gritou ordenando a tropa: – Atenção, preparem-se para partir.

Eu passei a tirar a farda dos colegas mortos para usar, quando Letter parou ao meu lado e gritou:

– Como fez isso? Como pode matar quem havia lhe curado?

– Eu prometi a ele fazer o que ele pedisse depois de me curar. E ele me pediu que o matasse. O matei por gratidão!

Letter enfureceu e afastou-se de mim, misturando-se com nossos outros colegas. Enquanto isso, vesti-me. Ele retornou e eu já estava praticamente fardado, terminando de amarrar os coturnos. Ele disse:

– Gratidão?! Você poderia dizer não, que não ia matá-lo e ir embora. Eu faria isso, Johnson faria e Flores faria. Pela primeira vez eles estão discordando do que você fez. Se o velho queria morrer, pediu pra pessoa certa. O maior assassino da tropa.

Eu vesti o capacete e peguei minhas armas que estavam ainda no meio da tropa, no chão. Parei e olhei para ele. Disse:

– O velho tinha perdido tudo, filhos, netos e esposa. Ele desejava morrer e eu só aliviei a dor dele.

– Imagine que, quando você desejava se matar, fosse num colega e pedisse para ele lhe matar. Apesar de pedir, na realidade você não quer morrer. Ninguém quer morrer. É claro que você nunca desejou realmente morrer, mesmo quando pulou do prédio. Só fez tudo aquilo para chamar atenção. É bem provável que o velho também não quisesse morrer e só pediu aquilo para chamar atenção. Para notarem o quanto estava sofrendo.

Eu olhei a Letter e disse sério:

– Não pulei do prédio apenas para chamar a atenção – tentei fazê-lo ver que eu realmente queria morrer. – Eu agradeceria se alguém me matasse.

Retirei de minha cintura o revólver e coloquei na mão dele. Pedi:

– Mate-me! – olhando-o bem nos olhos. – Sua chance de livrar o mundo de minha presença infame – repeti o que ele me dissera outrora (ver Ideia Suicidas, pág. 76, livro 2).

Letter calou-se e ficou sério um tempo me olhando com a arma na mão. Depois jogou o revólver no chão, saindo de perto de mim, indignado.



Série "Crônicas de Guerra"

Crueldade

        Estava numa casa em ruínas, sozinho com um japonês ferido amarrado com as mãos para as costas e pés enrolados, deitado no chão. Havia uma bucha de pano enfiada na boca dele para não falar nem gritar. Eu passava a minha faca pelo rosto dele cortando-o de leve, sentindo prazer com o que fazia. Não era nenhuma tortura, eu fazia aquilo por fazer, como um modo de diversão macabra.

Foi então que num momento eu levei a faca ao olho direito do japonês e como a ponta da faca comecei a retirar o globo ocular dele. O soldado japonês debatia-se e eu não me importava que com isso cortasse mais ainda o rosto dele. Lembro-me que cortei sobre as pálpebras e puxei o globo. Veio uma tripa que unia com a parte interna da cavidade e eu cortei. Depois peguei o globo ocular que havia arrancado e fiquei olhando, enquanto ouvia os gemidos do japonês. Larguei o globo ocular no chão e voltei a passar a faca pelo peito do japonês. Ergui a camisa da farda dele e deixei a barriga dele desnuda. Tinha um ferimento um pouco acima, perto do peito. Levei a faca ao ventre dele. Ele tinha um abdômen bem musculoso e sarado. Quando estava com a faca no abdômen, cheguei nele e finquei a faca pela metade. Dei mais três fincadas, formando assim com desenho de um quadrado. O Japonês urrou mais uma vez e eu não me importei.

De repente, ouvi o ruído de alguém se aproximado. Tinha uns trapos marrons perto e eu rapidamente cobri o corpo do soldado inimigo para que não o vissem. Logo vi que quem se aproximava era o coronel Lander. Eu me endireitei, ficando sentado no chão, ao lado de minha vítima, tentando esconder o japonês com meu corpo. O coronel parou a minha frente.

– O que está fazendo aqui sozinho?

– Nada, só estou descansando – menti.

– Sozinho? – repetiu, estranhando.

– Sim! – disse sério.

O coronel sugeriu:

– Acho melhor que volte para junto dos outros!

– Está bem! Só vou ficar mais um pouco e já vou.

O coronel virou-se de costa e foi saindo e eu fiquei esperando-o sair. Queria voltar a fazer o que estava fazendo. Mas foi então que o ferido gemeu alto, se mexendo, tentando soltar-se. Eu chutei o japonês que grunhiu ainda mais. O coronel parou e voltou-se para mim, olhando-me, bem como o pano verde oliva que cobria o japonês. Nesse instante o japonês se moveu e eu não gostei daquilo, pois o coronel ia descobrir que havia alguém embaixo do pano e consequentemente o que eu estava fazendo.

Como eu imaginei, o coronel foi direto ao pano e levantou-o, encontrando o japonês mutilado, sem um olho e sangrando. Ele me olhou e eu olhei-o sério.

– O que está fazendo com esse japonês? – perguntou o coronel furioso.

Eu não respondi e ele sacou o próprio revólver para matá-lo, apontou, ficou um tempo apontando, depois guardou a arma. Ordenou-me:

– Mate-o com a faca. Se eu atirar, os outros ouvirão os tiros e virão aqui para ver o que aconteceu. Se eles virem o que está fazendo, terão mais motivos de não gostarem de você. – E ordenou sério: – Vamos, mate-o logo!

Eu ia esfaqueá-lo no peito, quando mudei de ideia e passei a faca na garganta. Ainda fiquei um tempo parado olhando o sangue esguichando pelo corte. Em seguida ele morreu.

Como não me mexi, o coronel gritou furioso:

– Vamos, Irving, ande! Saia daqui de uma vez.

Eu levantei-me e fui saindo da casa. O coronel veio atrás. Segui andando, estava perto do acampamento. Fui acompanhado pelo coronel até Johnson e Flores. Sentei no meio dos dois, numa caixa de munição. O coronel ainda ficou me olhando sério e depois saiu dali, afastando-se.

Johnson olhou-me e perguntou:

– Onde você estava, irlandês?

– Dentro da casa – respondi.

Ele ficou um tempo em silêncio me olhando, depois voltou a perguntar:

– O que aconteceu? Você está estranho – riu. – Está com uma cara de paranoico! Seus olhos estão vidrados.

Eu não respondi, apenas o olhei sério.


Série "Crônicas de Guerra"


A Prostituta Japonesa

                          

Estava num cabaré, onde todas as prostitutas eram asiáticas. Praticamente todos os homens que estavam ali eram do exército norte-americano. Eu bebia muito e observava as mulheres. Foi quando eu fixei os olhos numa das prostitutas e vi nela uma japonesa e não como a maioria dali, nativos (Não sei em que país estava. Os nativos eram asiáticos, mas não japoneses. Japoneses eram os inimigos). Não sei dizer o que nela denunciou, mas eu tinha certeza absoluta de que ela era japonesa. Portanto era inimiga.

Tirei o meu revólver da cintura e mirei a arma para a cabeça dela, agarrando-a e prendendo-a contra a parede. Comecei a gritar, ordenando para ela:

– Confesse que é japonesa! – enquanto a empurrava, batendo-a contra a parede.

Ela começou a chorar forte. Todos meus colegas pararam com as brincadeiras, vendo o que eu fazia. Opuseram-se, discutindo comigo, chamando-me de louco, pedindo para eu parar de ameaçar a moça. Alguns colegas meus não conseguiam distinguir os nativos dos japoneses, entretanto eu conseguia. Eu continuei, com certeza absoluta do que falava. E por um triz não atirei na cabeça dela, pois vontade não me faltava.

Aproximou-se de nós então a cafetina, uma senhora asiática muito idosa e pequena (tinha mais de sessenta anos), tentando me fazer parar.

– Por favor, meu jovem, deixe a garota em paz!

Eu olhei para a cafetina e disse, colocando a arma no queixo da garota prostituta:

– Confesse que ela é japonesa se não eu estouro a cabeça dela – ordenei.

Vendo o que eu falava sério e ficando totalmente assustada diante a minha ameaça, a cafetina disse:

– Ela realmente é japonesa! Mas, por favor, não faça nada com ela, solte-a. Ela veio aqui e implorou trabalho – confessou. – Mora a anos aqui.

Todos que estavam ali se calaram, houve um imenso silêncio, dando-me razão. Eu desencostei a arma da garota e a empurrei. O Major Welt se aproximou de nós, olhando para mim, para a garota e para a cafetina.

– Se ela é japonesa, teremos que nos retirar daqui – disse o major. – Soldados americanos não podem ser cliente de japoneses. Eles são nossos inimigos.

A cafetina disse para ele:

– Calma, major! Desse momento em diante, essa mulher não mais trabalha aqui – o major sacudiu a cabeça, concordando. – Deixe seus homens aqui, por favor!

E eu me afastei. Apesar de ter sido rude e violento, sei o que me passava pela cabeça todo o tempo. Aquela mulher podia muito bem ser uma espiã japonesa. Qualquer homem diz muitas coisas na cama. Ela poderia tirar informações secretas de qualquer um de nós e passar para os japoneses. Era por isso que eu havia ficado tão louco. E não tenho certeza que a maioria compreendeu os meus motivos. Mas os oficiais, com certeza entenderam.



Série "Crônicas de Guerra"

Monstro

 

Estava dentro de uma trincheira junto com Flores. Estávamos encostados em meio à lama, mas não estávamos em combate. O mexicano me contava:

– Tive um sonho estranho essa noite. Sonhei que estávamos sendo atacados por japoneses, mas eles não eram humanos. Eles eram monstros, tipo mortos-vivos. Nós não conseguíamos matar aqueles monstros. E você estava no sonho, Irlandês!

– Eu? E o que eu fazia? – perguntei curioso.

– Você era um monstro morto-vivo como os japoneses! Todos nós lhe temíamos – disse incluindo-se com nossos colegas. – Mas você era o único que conseguia matar os monstros japoneses. E nós, apesar de lhe temer, tínhamos que ficar com você para vencer os japoneses.

Entristeci com aquele sonho do mexicano, principalmente por ter sido ele quem sonhara. Eu o considerava meu melhor amigo. Controlei-me para não chorar e disse desiludido:

– Até mesmo você, mexicano, me vê como um monstro.

Ele ficou preocupado com minha interpretação e negou:

– Não é verdade! Sou seu amigo! E eu não tenho controle sobre os meus sonhos. Nem sei de onde tirei a ideia de monstros!

Mas eu sabia. Subconscientemente, ele comparou aos japoneses e a mim a monstros. Tive certeza disso. Eu mesmo considerava os japoneses monstros. Eu era um monstro que matava os outros monstros. Não falei mais nada, apenas fiquei olhando para o nada, triste.

Flores tocou no meu ombro e disse:

– Não fique assim, Irving! – e esmurrou o ar. – Não devia ter lhe contado o sonho.

Série "Crônicas de Guerra"

Marcando um Encontro

Era noite. Estava eu e Flores deitados em uma trincheira. Eu ainda trazia no rosto o curativo do tiro que levara no rosto. Era noite e ambos estávamos com os pés para cima, encostado na outra parede da trincheira, olhando o céu. Era um céu lindo, todo estrelado. Admirávamos o céu.

– Com esse céu, você acredita que estamos em guerra, irlandês? – disse Flores.

– Por alguns instantes vamos imaginar que nós não estamos, mexicano – disse.

Ficamos um tempo em silêncio, apenas admirando o céu e as estrelas. Foi então que chegou Johnson na nossa frente, ficando de pé entre eu e o mexicano.

Ele falou voltado para mim:

– Estão lhe chamando de herói, Irving! – riu. – Há dias antes eles estavam todos querendo lhe matar. Entende eles?

– Não quero mais falar no que passou – disse para ele não continuar.

E Flores e eu dissemos juntos:

– Fica quieto, Johnson! Estamos olhando as estrelas.

Johnson olhou ao céu, olhou para nós dois e disse sem dar muita importância:

– É... O céu está bonito.

Depois se sentou ao meu lado. Sussurrou:

– Fez bem em ter matado o Slater. Se eu tivesse visto que ele estava atirando em nós, teria eu mesmo o matado.

– Não fale mais nisso – pedi mais uma vez, sério.

Então veio Arlen, o outro colega afrodescendente, e sentou-se ao lado de Johnson. Ele trazia ainda uma atadura no braço e usava uma tipoia, do tiro dado por Slater nele.

– O que vocês estão fazendo? – perguntou Arlen.

– Olhando as estrelas – disse o mexicano e eu realmente estava.

Ficamos mais um tempo em silêncio. Johnson voltou a falar:

– Devíamos nos reencontrar quando a guerra acabar para nos divertirmos juntos.

Todos gostaram da ideia, inclusive eu. Ele então continuou:

– Onde nos encontraremos? Podemos marcar a data, o local e o horário agora.

Todos concordaram. Houve uma polêmica quanto ao lugar, com todos falando ao mesmo tempo. Éramos quatro e cada um de uma região. E os Estados Unidos é um país muito grande.

– Tem que ser num local neutro, onde nenhum de nós quatro more – disse Flores.

– Nova Iorque – sugeriu Johnson e todos concordaram.

– Eu conheço Nova Iorque – disse.

– O seu irlandês filho da puta – disse Arlen, de forma brincalhona. – Você é estrangeiro e conhece Nova Iorque. Eu sou americano e nunca fui lá.

Tanto Johnson como Flores também disseram que não conheciam Nova Iorque. Eu ri e todos acabaram rindo também.

– Onde em Nova Iorque? – Johnson voltou ao assunto.

– No Central Parque? – sugeriu Arlen.

– Em que parte dele? – perguntei. – Ele é enorme. Sabe de algum marco no parque? – e ele negou, sacudindo a cabeça.

– Vamos mudar o local. Quem sabe na frente do Empire States? – sugeriu Johnson, desistindo do Central Park.

Veio-me a lembrança do King Kong sobre o prédio, na primeira versão do filme, de 1933, relacionando com o nome do prédio. Esse prédio era o mais alto de Nova Iorque daquela época.

– É bom termos cuidado com o King Kong – disse brincando.

Arlen perguntou, sem entender a minha piada:

– O que é isso? Empire States? King Kong?

– É o prédio mais famoso de Nova Iorque – expliquei. – Não viu o filme King Kong? É o prédio que o macacão ficou em cima – ele não disse se vira o filme ou não, mas me pareceu confuso. Achei-me que ele não tinha visto e não quis admitir. – Todos de Nova Iorque sabem onde é e é fácil encontrar. Basta perguntar para qualquer um.

Então todos concordaram até mesmo Arlen, convencido com meus argumentos.

– Ainda falta o dia e o horário – disse o mexicano.

Houve mais uma polêmica e todos voltaram a falar ao mesmo tempo. O nosso problema era que não tínhamos um calendário ali. Queríamos um fim de semana, um sábado ou um domingo.

– Já sei – disse Johnson. – No dia 04 de julho! – Dia da Independência dos Estados Unidos – É feriado, independente de calendário. E acho que é um bom horário às 16 horas. Será melhor que seja daqui a dois anos, em 1945. Acho que a guerra já deve ter terminado antes desse ano. Nós já devemos estar de volta, em casa.

Todos nós concordamos. Johnson então reforçou:

– Então está certo! No dia 04 de Julho de 1945, às 16 horas, na frente do Empire States nos encontraremos. Não vão se esquecer e que ninguém falte.

– Só faltaremos se estivermos mortos – disse Arlen, rindo.

Sussurrei para Johnson:

– Podemos convidar o coronel Lander.

– Não, irlandês! Você pode ser muito “amiguinho” dele, mas que ele é um pé no saco, é – disse Johnson e eu discordei com a opinião dele em pensamento, sem falar nada. – Vamos apenas nós quatro.

Foi então que passou na trincheira, desviando para não pisar sobre nós, o outro afrodescendente, Gordon, o qual eu não era amigo. Ele parou de andar bem no meio de nós, ficando com uma perna entre as minhas e outra entre as de Johnson.

– O que vocês estão combinando? – perguntou ele, pois tinha ouvido parte da conversa.

– Estamos combinando de nos encontrarmos depois da guerra, Gordon! – disse Johnson. – Quer também se encontrar conosco?

Ele sorriu e gostou da ideia. Eu não gostei, pois, como disse, não me relacionava bem com ele. Ainda preferia o coronel. E Johnson nem perguntou se ele podia fazer parte do grupo. Já foi convidando e tinha que aceitar, quisesse ou não. Aceitei, sem dar muita importância.

Todavia, de repente, Gordon foi atingido por vários tiros no peito e caiu morto sobre nós. Nós levantamos rápido, pegamos nossas armas e começamos a revidar vários tiros que vinham do escuro. Não víamos o inimigo. Lembro que eu só via as faíscas de quando os tiros eram lançados das armas, mesmo assim atirava na direção das faíscas.



Série "Crônicas de Guerra"


O Búnquer

 Estava com nossos colegas agrupados com outros militares aliados ao ar livre. Se não me engano eram ingleses e australianos. Sabia que todos estavam conosco graças a um resgate feito por nós. Encontramo-los num campo de prisioneiros. O coronel Lander estava reunido com outros oficiais aliados. Um coronel inglês, Stark, e um major australiano, Phillips. O coronel Stark era branco, muito magro, com uma calvície marcante, olhos verdes e cabelos castanhos claros. O major Phillips também era branco, tinha os cabelos louros e os olhos azuis. Faziam planos, colocando um mapa sobre uma grande pedra. Falavam muitas coisas.

E eu estava junto com Flores e Johnson, descansando, sentado numa pedra; mas olhava a uma pequena distância os oficiais. Prestava atenção neles. Eles falavam sobre dominar um búnquer*, que havia mais a frente. O coronel inglês Stark falava:

– Vamos enviar uma força especial até lá, dominá-lo e depois o resto da tropa segue.

– Tem que ser nossos melhores homens – dizia o major australiano Phillips.

– Acho que devemos mandar seis homens: dois ingleses, dois americanos, dois australianos...

E os três oficiais concordaram. E o coronel Lander disse:

– Vou selecionar meus homens.

Afastou-se deles, vindo em nossa direção, enquanto os outros oficiais iam para as suas tropas. O coronel veio exatamente em minha direção e ordenou-me:

– Venha comigo, Sargento.

Depois foi para mais a frente, a procura de mais alguém. Eu o segui pensativo. Havia ouvido que eles mandariam os melhores homens e se o coronel me chamara, considerava-me um dos melhores realmente.

Logo ele parou a frente de Smith e ordenou:

– Smith, venha conosco!

Obs.: o coronel selecionou logo os mais cruéis da tropa – Smith e eu. Talvez na guerra, os melhores sejam os mais cruéis.

O coronel Lander voltou para diante da pedra com nós dois juntos. Já estava lá o major australiano Phillips com dois homens também. Ficamos parados um tempo até chegar o coronel inglês Stark, com também outros dois homens.

Os oficiais começaram explicar várias coisas, sendo que a maior parte era o coronel inglês quem dizia. Foram várias coisas sobre o búnquer que não saberei contar aqui. Em resumo, eles queriam que nós chegássemos ao búnquer silenciosamente e o dominasse. Queriam que nós evitássemos dar tiros e não fizesse os japoneses atirar. Precisavam que aquele búnquer fosse dominado sem alertar aos outros. Segundo eles, havia uma tropa inimiga bem perto e queriam que eles só nos notassem quando já estivéssemos atacando com as tropas deles.

– O tenente Jenkees vai liderar o grupo de vocês – disse o coronel Stark, apresentando-nos um oficial inglês. Jenkees era branco, de olhos castanhos e cabelos castanhos claros.

E fomos apresentados entre nós. O outro inglês era também o sargento Manson, louro de olhos azuis. O Sargento Coinman era um dos australianos. Ele era branco, de cabelos e olhos castanhos. O outro era o sargento Barr, ele tinha os cabelos louros e os olhos verdes. O menos graduado era Smith, que era soldado. Eu já era sargento. Ninguém era simpático, todos eram sérios e tinham um semblante malvado no rosto. É bem provável que até eu mesmo tivesse.

Seguimos para cumprir a missão afastando-nos da tropa por uma trilha subindo um morro. Ela era cheio de pedras em meio a grandes árvores. Andamos algum tempo até podermos avistar no alto do morro uma construção de concreto escondida, toda camuflada. Eu sabia que aquilo era o búnquer. Fomos rodeando-o, espalhados. Fui o primeiro a chegar à entrada abaixo dele. Havia um soldado japonês andando de um lado para o outro de guarda, no lado de fora. Eu cuidei para não ser visto, escondendo-me nos arbustos e saltei sobre ele. Esfaqueei-o nos rins, tapando a boca dele para não gritar. Ele logo caiu morto e parei na entrada esperando os outros chegarem. Eles logo chegaram atrás. O tenente inglês sinalizou para eu seguir a frente. E fui.

Logo no corredor eu podia ver um soldado japonês que vinha em nossa direção. Escondi-me atrás de uma parede, esperando-o. Quando ele passou por mim, saltei sobre o japonês e passei a minha faca na garganta dele. O tenente Jenkees ainda foi aparando-o enquanto ele caía morto. Segui em frente. Andei pelo corredor sem encontrar ninguém mais. Deparamo-nos com uma entrada de uma escadaria de ferro que subia em espiral. O tenente sinalizou para eu subir. Subi a escada estreita e íngreme entre um espaço de cerca de um metro. Eles vieram atrás. Chegando ao topo, espiei e vi que havia três japoneses ali.

Sinalizei para os outros que vinham atrás, dizendo por sinais quantos eram, e o tenente sinalizou para abrir espaço para ele. Comprimi-me na escada e ficamos três amontoados, sendo o tenente Jenkees, o sargento Manson e eu. Obs. : os três britânicos, afinal, eu era um imigrante irlandês. Quando um dos japoneses aproximou-se e ficou de costas para nós, conversando algo com seus companheiros, ergui-me e saltei sobre ele. Enquanto isso, o tenente e o sargento inglês saltavam sobre os outros dois. Eu cortei a garganta do japonês rapidamente e vi ainda o mais afastado sacar o revólver para atirar no sargento inglês que tentava pegá-lo.

Como tínhamos que ser silenciosos, peguei a mesma faca que trazia em mãos e joguei-a em direção daquele japonês e atingiu-o no pescoço, de frente. Ele ainda tentou segurar o pescoço, largando a arma no chão, mas caiu morto. Olhei para o lado e o tenente tinha matado esfaqueado o outro. Tínhamos conseguido.

Smith chegou ao meu lado e reclamou sussurrando:

– Tinha que matar a maioria deles, sargento?! Não deixou nenhum para mim.

O tenente também me criticou, dizendo em sussurro:

– Era um trabalho de equipe. Se era para um matar todos, teriam mandado um só homem.

Não disse nada, mas senti-me injuriado. Pensei que, se não fosse eu, teria ocorrido um tiro e todo o nosso plano teria ido por água abaixo. Entretanto, eles não estavam errados. Eu realmente tinha matado a maioria dali. Somente o tenente havia matado um. Eu acabara com quatro japoneses.

O tenente Jenkees pegou um rifle e colocou-o encostado na janela. Ela era estreita e longa, própria para se atirar por ela. No cabo do rifle, pendurou um pano verde escuro. Nós sabíamos que esse era o sinal que as tropas precisavam para avançar. Eles veriam através de binóculos.

O tenente ordenou a mim e a Smith:

– Vocês dois, olhem sala por sala do Búnquer. Averiguem se há mais alguém. – Voltou-se aos dois australianos e ordenou: – Vão junto e dividam-se.

Nós quatro descemos as escadas e voltamos aos corredores. Eu e Smith fomos por um lado, ainda em silêncio, e os australianos para o outro. Passamos primeiro por uma sala cheia de armamento. Seguindo mais adiante, chegamos numa que logo ao abrirmos saiu um cheiro de bicho morto. Dentro dela havia quatro corpos de asiáticos civis, duas mulheres e dois homens, empilhados. Eles já estavam apodrecendo. Bem acima estava o corpo de um dos homens. Ele estava com os dedos das mãos cortados, totalmente espancado e nitidamente tinha sofrido torturas.

– Por que torturariam e matariam civis? – perguntou Smith e eu apenas sacudi a cabeça, sinalizado que não sabia.

Smith separou-se de mim e foi numa última sala sozinho. Eu fiquei olhando os corpos, chamando-me atenção que as duas mulheres estavam com as saias rasgadas, sem calcinhas e aparecendo as genitálias. Elas estavam sangrando e feridas, provando que elas tinham sido estupradas. Voltei a olhar para onde Smith tinha ido e ele voltava.

– Era uma cozinha – disse ele.

Voltei para o outro lado e estavam os dois australianos. Eles se aproximaram.

– Não encontramos ninguém – disse Coinman.

Olharam para dentro da sala e Barr questionou o mesmo que Smith:

– Por que fizeram isso com civis?

Ninguém respondeu. E saí dali e voltei para a entrada das escadas.

 

(*Búnquer - Abrigo subterrâneo fortificado e/ou blindado, com grande armamento, construído para dar abrigo em situações de guerra, protegendo aqueles que se abrigam de projéteis.)



Série "Crônicas de Guerra"


O Elefante

 

      Uma grande tropa andava por uma rua, ao redor havia uma cidade em ruína. Eu ia ao lado do coronel Lander, do major Welt, dos capitães Koch e Jackson. Cercando os oficiais estava além de mim, Smith, Flores, Joshua e Gary (os mesmos que salvaram o capitão Jackson). Eu sabia que nossa obrigação era proteger os oficiais.
No meio do caminho havia um enorme elefante morto, bem no meio da rua. A tropa foi passando contornando o elefante. Enquanto passava dizia para Flores e Joshua:
– Coitado! Mais uma vítima inocente dessa guerra infernal.
– Você gosta de bicho, Irving, pelo que vejo – disse Joshua.
– Gosto, sim! Eles são verdadeiros, não como muitos homens que tem por aí.
– Você mataria um elefante? – perguntou Smith a distância para mim.
– Eu faria tudo para não matar, mas se me atacasse, eu mataria, sim.
Quando os oficiais e nós estávamos passando pelo bicho morto, muitos tiros vieram dele em direção dos oficiais. Nós cinco passamos atirar no corpo do elefante. Smith atirava com uma metralhadora, eu e Flores com nossos rifles. Joshua e Gary saltaram sobre os oficiais fazendo-os ficarem deitados no chão. Demos tantos tiros, que aos poucos foi abrindo a barriga do elefante, aparecendo as costelas e entre elas, dois japoneses mortos. Todos nós nos surpreendemos, eles estavam dentro do bicho morto, que já começava a feder.
Quando parou os tiros, fui verificar e vi que numa das cavidades havia dois furos, por onde eles atiravam. Tinha um terceiro buraco acima dos outros que acredito ser por onde eles olhavam.
Smith fez cara de nojo e disse:
– Como eles conseguiram ficar dentro de um bicho morto?
– Que nojentos – disse Gary, verificando se tinham realmente morrido.
– Você faria isso para atacar os japoneses? – perguntou Smith para Gary.
– Não sou louco.
– Aposto como o Irving faria. Não é, irlandês?
– Eu? Não, é nojento! – disse.
– Mas a outra vez você não hesitou em mexer em cadáveres podres – lembrou-se do que fiz para salvar um colega soterrado em meio a cadáveres.
– Mas ali tinham vidas em jogo – respondi sério.
Os oficiais se ergueram e seguimos caminhando.





Um Sábado de Aventura

Cachoeira no parque./ Foto de Cláudia Elisabeth Ramos




            Nenhum sábado, 7 de janeiro de 2017, eu, meu irmão Manoel, minha mãe Tania, meu padrasto Pedro e o Ane, nossa amiga selvagem para fazer uma aventura, como inesquecíveis como quando foram salvas as Paraquedas e o Paraíso Delta. Pelas 10 horas da manhã partimos de Viamão no carro do Manoel. Primeiro passo na casa de nossa amiga para pegá-la, depois seguimos a viagem.
         Fomos para a cidade da Serra Nova Roma do Sul. Uma mulherzinha de origem italiana. O rio passa por paisagens lindíssimas típicas da Serra do Rio Grande do Sul, uma cascata maravilhosa, tem as rochas estreitas sobre o rio das Antas, chegando ao Eco Parque Cia Aventura (veja o site  http://www.ciaaventura.com.br/ ). Indico esse parque para quem gosta realmente de aventura. Se tudo é pago, cada centavo vale a pena. Esqui de dizer que cruza a estrada por duas aranhas gigantes (do tamanho de um prato) que atravessavam ao asfalto. Ane temeu que was removed in the window of carro, mas nothing aconteceu.
            Eu encontrei o parque pela internet e já tinha sido contatado com ele, fazendo reservas e tudo mais. Ele já tinha me dado indicações de como é, o que levar e etc. Almoçamos logo na entrada, pois chegamos perto do meio-dia, demos um tempo para uma digestão, passando pelo lugar. A tinha uma tucana e uma cobra amarela, que eu e minha mãe batemos foto com ela enrolada em nosso pescoço. Ane teve ojo e não quis pegá-la nem o Manoel e o Pedro.
            O parque tem várias atrações de eco turismo e esportes radicais. Você deve fazer uma lista com a minha cabeça do que fazer. Imaginei um dia seria pouco, diante as tantas opções. Mas todos decidiram voltar para realizar como não feitas naquele dia. Decidi fazer menos radical deixando por último o mais intenso.
            O primeiro foi na Tirolesa, a 80 metros de altura, por acharmos um radical a menos. Nossa mãe Tania decidiu também, apesar de ter sido apenas como acompanhante. Nosso padrasto Pedro foi o fotógrafo do grupo. Fomos eu, o Manoel, a Ane e a mãe na posição deitada, como Superman. Fui a primeira, eles deixaram de se apaixonar por eles. Coisa maravilhosa é uma sensação de voar. Adoro Com 1400 metros de extensão, a Tirolesa do Eco Parque é a maior do RS. Nós voamos sobre um lugar lindíssimo, diante de uma enorme cachoeira. Todos curtiram muito o voo.


            Depois fomos sem Pêndulo. Esse brinquedo é um verdadeiro balanço à beira do precipício. Construído na borda do abismo, era gente ao alto de uma torre e após uma contagem regressiva do mesmo era liberado em queda livre. A mãe queria ir embora, mas quando viu que as pessoas que subiam uma escada de largos degraus para chegar no banco do balanço, ela desistiu. Fui eu e o Manoel. A Ane não trouxe o dinheiro suficiente e economizou para o Bungee Jump.
          A maior emoção é quando se está a soltar a cadeira quando a sentença é sentida. É livre. A sensação de cair também é maravilhosa. E depois é como andar num balance. Toda a criança sabe como é. Só o que nós fizemos foi um abismo. Mesmo assim, foi ótimo.
            O Manoel, estava sendo içado, gritava por minha mãe, imitando um bebê com medo. Todos os que estão à procura de um andar não riam e minha mãe fingia consolá-lo. Foi muito engraçado Depois só foi gritos de felicidade. Ele adorou.
            Fomos pro filme mais radical, afinal já tinha quase o dia todo. O Salto de Bungee Jump. Para obter a plataforma do alto escalão deve ter sido feito na passarela com uma nota sobre um precipício. Muita gente para passar a passarela, por dar para ver o que havia lá embaixo. O salto era realizado numa plataforma que fica a 65 metros de altura, com uma vista incrível de cascatas e vale do Rio das Antas. Outra vez fui primeiro.
            Após prender o elástico nos tornozelos, fiquei esperando o Manoel e a Ane se aproximarem. Meu elástico era cor de rosa. Depois de tudo preparado, o instrutor mandou eu pegar duas cordinhas e ficar na beira do abismo enquanto ele jogava o elástico para baixo. A curiosidade que a maioria não é capaz é o elástico de puxar para baixo com o peso dele. Depois o instrutor irá ouvir meu ouvido para soltar como cordas e ficar com os braços abertos. E eu fiz e ele deu um leve e eu caí. Não fechei os olhos e curti a caída. Até que o elástico me segurou e deu um forte dor nos tornozelos.


            Quando estava de pernas para ar, tive uma impressão que meu corpo era soltar e agarrei-o. Aos poucos fui soltando-o e soltei-o completamente, quando tive certeza que ele não cairia. O que não gostei foi o elástico ficar me puxando para cima e para baixo várias vezes e girando, e isso não era nada nada agradável. Até que o instrutor gritou lá de cima, ecoando por todo o vale, que ia soltar um guindaste corda que me traria de volta. Quando um cabo é puxado para cima. Conforme subia, o elástico ia se enrolando em mim. E o instrutor ia dizendo para eu me desenrolando. E eu ia. Até que cheguei encima e me soltaram do elástico e eu fiquei esperando o Manoel e o Ane saltarem.

            O Manoel saltou sem problemas. Voltou para cima eufórico, sem nenhum problema. Mas quando a ane saltou algo estranho aconteceu. Ela ficou de pernas pro ar, com os soltos, sem nenhum movimento. Todos estranharam, inclusive os instrutores. Como pessoas que assistiam também. Ficavam perguntando-se se havia desmaiado, a verdade é que ansiava o que tinha acontecido. Até que o instrutor gritou perguntando se ela estava bem. Depois de muita coisa, ela teve uma reação e fez um sinal de legal e todos se aliviaram. E repetiu-se tudo o que tinha feito comigo e retiraram ela. Ela estava tão bem e ela disse que sim.
            As cinco da tarde iam ser café colonial, que já tinha reservado para nós. Então decidimos passear pelo parque. A mãe Tania e Pedro queriam descansar. Então, eu, o Manoel ea Ane fui passear. Ainda não foi feito nenhum comentário, mas nem o Manoel nem Ane queriam. Achavam sem graça. Pensando bem, se compararmos com o que havíamos feito, era sem graça mesmo. Então fomos passar pela trilha das cascatas. Chegamos numa cascata que não tem fim uma piscina natural, nas pedras. Você tem um grupo de pessoas tomando banho, usando roupas de banho. Nenhum de nós t previu roupas de banho. A Ane foi pela primeira vez e entrou com a roupa na água. Depois foi o Manoel. O que é isso quando se trata de. Só tirei os sapatos. A água estava na temperatura ideal, nem fria nem quente.
            O Manoel contou para Ane que todos os que foram desmaiados, e perguntou se ela gostara do salto. Quando disse que quando se quer entenda como num túnel. Disse que fecham os olhos e apenas curtem a sensação. Não sabia se tinha desmaiado, mas se sentira estranha. Da Manoel, Que Ela parecia ter voltado tonta e ela riu.
            Quando isso acontece, você tem voltado, como se nada fizesse, como se nada tivesse acontecido. Já o homem sai saltando empolgado, entusiasmado, como é uma coisa maravilhosa. E ela, ainda estava tremendo sobre ao salto. E a sua mão, ela tremia ainda. Quando isso acontece, eles ficam animados com os cartões de memória quando ganham uma pancada, com várias estrelinhas girando sobre uma cabeça. Todos riam. O Manoel veio os seus tornozelos e os programas estavam completos pela cinta que nos prendia ao elástico. Ane olhou os dela e mostrou que estavam ali. Eu então os meus filhos e estive como os deles.
            Quando foi tomar café colonial e pediu para voltar ao pessoal que não Rafting para depois servir. Corrida nos banheiros para tomar banho antes do pessoal do Rafting, mas quando entramos em banho, eles já estavam entrando também. Tomamos banho e trocamos de roupa. E fui tomar café colonial. Agora então embora embora.
            O Manoel deixou Ane em Casa, depois foi para a nossa casa. Foi um dia cansativo, mas inesquecível. Chegamos pelas 22 horas em casa. Fui dormir, mas não conseguiu adormecer, não pensando no Parque. Eu amei e todos disseram que também amaram. Ficamos de voltar para fazer como outras aventuras.
 Cláudia Elisabeth Ramos






As Formigas e a Chuva (fábula)


Era uma vez uma mulher e sua filha que dependuravam lençóis em um varal. O dia estava lindo, mas bem ao fundo havia uma tempestade se formando, num aglomerado de nuvens negras. A menina viu ao fundo que estava se armando uma tempestade. Disse para sua mãe:

– Mãe, vai chover, veja! – e mostrou a formação de tempestade. – Também disseram isso na previsão do tempo.

– Que nada, minha filha. Os caras da previsão estão errados. Aquilo não é nada. Veja as formigas, elas estão trabalhando. Não vai chover.

A menina olhou e viu que no chão havia uma trilha longa de formigas trabalhando. Então, não deu bola para a tempestade.

Enquanto isso, no grupo de formiga trabalhava arduamente carregando folhas enormes, que eram o dobro do tamanho delas. Uma das formigas carregava sua folha na trilha das formigas, quando viu ao fundo a formação da tempestade. Chegou à formiga-chefe e avisou:

– Chefe, está se aproximando uma tempestade. É melhor retornarmos para o formigueiro.

A formiga-chefe respondeu apontando para o lado onde havia uma humana dependurando lençóis num varal:

– Aquilo, não é nada! – desprezou a formação da tempestade. – Veja, aquela humana. Ela está dependurando roupas no varal, não vai chover! Quando humanos fazem isso, não chove.

De repente o céu escureceu e caiu uma grande chuvarada, molhando todas as roupas da mulher. Ela e sua filha tiveram que correr e recolher as roupas. E a maioria das formigas foi levada com folha e tudo pela água ou pelo vento.

 

Moral da história: “Nem tudo o que os outros fazem é o certo”.






Diante da Morte


            Eu vi a luz do sol. O triste sol. Mas uma luz escura que apaga o interior tinha apagado ele dentro de mim Sou jovem, 25 anos acho. Ferido na alma e no corpo.  Sinto cheiro de podre.  Vejo vermes espalhados pelo chão. Vejo um corpo. Há uma penumbra. Lembro-me de um tiro. Não tenho palavras, mal consigo pensar. Ocorreu algo. Um tiro? Quando? Se estávamos apenas nós dois na cela. Foi ela? Não sei? Não acredito, pensei que nos amássemos. Odeio-a! Ocorreu algo. Há muito sangue. Há um corpo diante dela. É o meu corpo? Ela me detesta, tem asco. Sangro no peito, mas estou aqui parado diante ela e ainda vivo. Solidão. Sinto-me só.
As paredes da cela estão sujas de sangue, sangue de meu corpo morto diante dela. Não sei em que parte meu corpo dói mais. Queria estar morto. Estou morto? Sim, estou caído ali, diante ela. Não, estou parado de pé diante meu corpo e ela. Quero matar ela, mas como se já estou morto. Eu sou um homem de astúcia, nunca tive medo do inesperado. Estou com medo agora. Não sei o que me espera. Procuro por alguma coisa, não sei o quê. O vento sopra do leste, vem pelas barras da jaula. O cheiro ruim continua a invadir minhas narinas mortas.
Lembrei-me das flores. Eu amo as flores. Quanto tempo faz que não vejo uma flor?  Desde que começou essa maldita guerra. Enquanto os raios de sol iluminam o manto escuro com o desespero e a dor, esconde assim o maravilhoso e belo, o mundo das flores e o de um sorriso. Teatro, cinema e música, onde estão vocês? Riso, quanto tempo faz que não sorrio, preso nessa maldita cela. Eu amo a poesia e os livros, sem eles não sou nada. Sou mais um cadáver. É triste ter certeza que morri e nada mudou, ainda estou vivo. Por que não acabou? Socorro, por favor, alguém me salve...

(Cláudia Elisabeth Ramos, 25/07/1987)





Foto de Indiara Bessa do G1


Uma Conversa no Cemitério


Você pode perguntar para um menino como eu, de 11 anos, em cima de um túmulo assistindo a enterro. A fim de explicar, mas antes de contar uma história.
Acho que você não conhece o que estava na 5ª série. Ela tinha a minha idade. A mãe dela é aquela senhora chata que joga as bolas que não têm o seu próprio pátio da casa, quando se joga futebol no meio da rua. Por causa dela, uma turbulência não pode jogar mais bolas. A Dedé andava sem colégio de ponta
                - Agora eu tenho três bolas.
                Ela era cheia, mas era bonita e sempre que me ajudou na Matemática. Pra viu, como dizia a mãe, é coisa do destino. Ela jogava bola com o Zé e a Nana, nossos vizinhos, quando a bola voou e foi pro meio da rua. A Nana disse that nem tinha olhado direito tinha caído a bola e o Dedé já estava correndo atrás. Uma coisa foi tão depressa que ninguém sabe de onde surgiu o caminhão. E acabou assim, eu assistindo a um enterro. Pelo menos a Dedé foi direto pro céu, nem se encontrado comigo.
                Durante essa história toda me lembrei do Pedrinho. Eu não o conheci direito. Ele era um pirralho da primeira série. Mas era brabo. Sempre que eu vou ao armazém e passava pela frente da casa dele, me sentava uma pedrada. Às vezes nós fazíamos as pazes e jogáramos “bafo”. Ele fica furioso, porque sempre eu ganhava dele. Chorava como um louco e eu tinha o devolver todas as estatuetas dele. Assim eu não mais procurei e nem quis mais o conhecer. O que eu soube que ele correu empurrando a gurizada no meio da rua e neste jogo de pulsa-empurra foi atropelado. Ele eu encontrei aqui. Disse que não quer ir pro céu agora.
                Eu quero agora saber a minha história. Bem, foi assim: Eu sempre fui uma criança “maravilhosa”. O quê? Acham que estou exagerando? Até pode ser ... Minha mãe sempre me chamou de anjinho. Bom, nós íamos viajar, íamos para a praia. Eu enlouqueci de felicidade. O passado todo sonhando com a praia. Uma mãe queria ir conversando com uma tia Adelaide. E uma mana não se importava com nada. Eu queria ir na frente, sem carro, ao lado do pai, para que ficasse dirigindo. Insisti tanto que a mãe se extinguiu na frente, mesmo sendo proibido. Então ficamos assim, o pai na frente, a mãe, a mania ea tia Adelaide atrás. A criança nunca sai do cinto de segurança com medo de ficar parada dentro do carro. Íamos com ele apenas sobre nossos ombros, fingindo que os mesmos, mas sem estar.
                Teve uma parte da viagem que vai passar na frente da Polícia Rodoviária. Paramos e eu fui com a mãe e a frente e todos colocaram os cintos de segurança. Mal passamos e paramos novamente e voltamos como antes.
                Na estrada o carro voava. E eu já me imaginava o “Nelson Piquet”. Puxa, aquela estrada ea expectativa de chegar à praia. A minha mãe iniciou as nove cervejas e foi junto com o pai ea aia. Estar louco para crescer e poder tomar cerveja, mas ganhei uma latinha de refrigerante.
                A porta estava enrolada e saiu da estrada. Só tive um rodopio na minha cabeça, uma gritaria e um pouco depois ficou tudo escuro. Parece que a única sobreviveu em Adelaide, mas ficou aleijada das pernas. Não pode andar.
                Pessoal, olhe quem está chegando. É o Pedrinho.
                - Como vai Pedrinho?
- Bem. Ei, quem é você?
- Meu amigo. - expliquei. - Gostou da história?
- Pela cara dele, não - disse Pedrinho. - Claro que não. Pelo menos eu acho que eles devem se preocupar com isso.
- não estou pensando, Pedrinho, você está pensando como gente grande.
Pedrinho sorriu e confirmou:
- Tem razão.
Para terminar, pessoal, quero dar uma atenção a uma coisa: “Tomem cuidado ao andar na rua, não há jogos de bola, não há jogos de empurra-empurra, não há banco de trás, usem cinto de segurança e motoristas não bebam quando são dirigidas. O carro foi feito para nos levar de um lugar e outro não o tornem numa arma. E adultos, parem de ser maus,
Senão pensarem nisso, acabarão como nós:  fantasmas .

(crônica sobre Trânsito escrita por Claudia Elisabeth Ramos em 1987.)








Voo de Teresa

         Teresa olhava a cidade do alto. As pessoas, como as formas, iam e vinham, a pé ou motorizadas. Vazia, nada tinha sentido a Teresa. O tudo virara nada na confusão das suas memórias.
         Traço infame para proveniente pelo destino de Teresa. Em uma família de muitos filhos, de muitos pais, só descansou a mãe, de que nada adiantou, soltando um mundo à procura de míseros trocados. A fome era apenas um pouco do sofrimento, ao mesmo tempo em que vivia a adolescência da periferia social. Roubos, assassinos, estupros, preenchiam seus dias como se nada fossem.
         A prostituição veio-lhe como saída. O dinheiro para saciar a pressão é fácil e mais simples, mais difícil de ser aplicada a uma lei em seu cotidiano. - Which does not degradava chain turno more, any more a olha with com intensions, e its seu body passava a manifestar vários tipos de doenças, da maioria dos tempos venéreas. A gravidez é vitoriosa e quase extensa.
         As drogas aliviavam como dores do corpo e da alma. Do álcool e fumo, um maconha e o craque. Sem temer a ninguém, deixava uma vida solta feito um papel de lixo em um riacho poluído. Uma SIDA adquirida de algum dos modos prováveis ​​para uma transmissão; afinal, faça parte do grupo de risco e qualquer tipo de precaução para evitar o mesmo por ignorância. A princípio invisível, passou dela muitos. Na inocência e na culpa. Como iria viver se parasse? Como os amigos saem sagazes e destruíam por dentro. Quando soube, não se importou. Atirou-se mais na vida e outros eventos de contágio com outros. Mas muitos clientes não queiram usar-la, pelo desconforto. Se cliente exige, o que se pode fazer? Uma culpa é dele.
         E agora, convidada pela formosura restante de sua beleza infanto-juvenil, jovem como era. For levada a um apartamento no 13 º andar, de um filho estranho de milionário, também drogado. Olhava da sacada do edifício melancólica. Jogar-se ... o desejo de acabar com os dores da alma assolava Teresa. Com um consciência assombrando-a diante crimes que cometera, nada tinha razão de ser. A morte! Queria a morte. Subiu ao parapeito com o coração dilacerado.
         Seu reflexo côncavo na vida social, o pobre milionário rico, olhou-a em transe da droga um pouco injetada, compartilhou na mesma seringa por Teresa, num sorriso débil, perguntou:
         - Quer voar?
         - Quero! - respondeu ela.
         Ele chegou bem perto, puxando, acariciando seus lindos seios e dando um beijo nos lábios, como num adeus. Depois sorrindo expir:
         - Voe! 
E teresa voou para a eternidade. Sua alma coberta de feridas foi, esperando que os anjos pudessem aliviar sua dor.
         - Voe anjo! - disse o rapaz.

(Crônica de Cláudia Elisabeth Ramos)






Banquete de Guerra

              Era 1945, época de guerra mundial. A praia já não tinha tropas, apenas os restos de cadáveres e os feridos, que aguardavam a chegada da Cruz Vermelha. As ondas do mar são as rubras do sangue e dos corpos das vítimas. Pedaços humanos boiavam. A vida que resta, quase não se move. Soldados do mundo e da Alemanha, mortos ou moribundos, divididos pelo espaço da areia e pelo líquido vital.
              A noite era iluminada pelo clarão da lua cheia, que permitia a visão ainda colorida do cruel confronto. Alguns tubarões aproveitavam os restos do mar, atraídos pelos corpos. Porém não eram apenas esses animais os convidados à ceia farta, criaturas da noite circularam o local. Maldade por maldade, que diferença faria. Os culpados da guerra comemoravam. Aquela sobra, não tinha nenhuma importância. E para seres do mal, a vitória fora a guerra em si.
             Vôos rasantes cruzavam o céu em perfeita harmonia, num bailado sublime. Lentamente arrastavam-se várias criaturas, aproximando-se, e deixando uma trilha cavada na praia. Um uivo estremecia os ouvidos dos que ainda ouviam, enquanto calafrios envolviam suas almas. Uma sombra cruzava perante a lua, em gargalhadas tenebrosas. No mar, ondas formavam-se com a vinda de seres estranhos. E muitos outros chegavam.
             Os cadáveres não davam importância, já não sentiam mais as dentadas dos mortos-vivos que cravavam suas bocas em putrefação à procura seus cérebros. O mastigar das mandíbulas caninas do Lobisomem, sobre as vítimas, era perfeito diante do alimento farto. A bruxa pousava e descia de sua vassoura, catando dentes, fios de cabelos, unhas, pedaços de dedos e até olhos humanos para seus rituais satânicos. Os monstros marinhos dividiam a refeição com os tubarões, volta e outra devorando-os também. Já os poucos soldados com vida, viram transformarem-se a sua frente, morcegos em vampiros; que sugaram o restante do sangue de suas veias, acabando de vez com o penar pré-morte.
             No outro dia, chegava a Cruz Vermelha. Já não havia nada para fazer. Restavam agora poucos pedaços a recolher. A guerra é cruel.

 (Cláudia Elisabeth Ramos)








  
 Quando a Bruxa vira Princesa
  
           A Bruxa recebeu em casa um convite para ir à festa do Príncipe Encantado. Olhou sua cara feia no espelho mágico e ele ele disse
         - Você tem uma enorme verruga no nariz. Está muito sério, horrorosa, assim que nenhum príncipe vai querer.
          Ela foi então até uma farmácia, comprou um remedinho que congelava como verrugas e tirou-a. Como ela era uma bruxa moderninha, ela correu até o salão de beleza. Para obter aqueles maços de cabelo e buques que mais são um bigode, fez depilação. Corrigindo a sua palidez mórbida, fez bronzeamento artificial. Podendo um pouco de seus gigantes e como pintou com uma cor da moda. Os seus próprios pés também, tirando os seus calos e unhas encravadas. Passando cremes, deixou-os macios. Pago até o fim, ficando com sua pele sedosa. Em seus cabelos ensebados e enlaçados ... cortou-os, fez hidratação e progressiva. Fez maquiagem das mais modernas.
         Depois foi sem compras, comprou um lindo vestido, sapatos e algumas bijuterias especiais (como as jóias de verdade) e deu o toque final. Resultado: virou uma princesa.
         Não foi baile e o príncipe encantado se apaixonou por ela. Dançaram durante toda a festa. Ao fim, o Príncipe a pediu em casamento.
         Para manter o noivo, uma bruxa esperta em visita ao salão de beleza e continuação linda. E assim ambos se casaram. Depois da lua, o príncipe se acordou e olhou para a sua esposa e só então percebeu que tinha casado com uma Bruxa.
 (conto de Cláudia Elisabeth Ramos)







Tina e Yang

 Miados da Vida

            Quero contar uma história verdadeira de duas das minhas gatas. Começarei pela Yang. Meus pais compraram um casal de himalaia, e deram o nome de Ying e Yang. Porque eles gostavam de dormir agrupados, um com uma cabecinha no turno, lembrando muito o símbolo Ying e Yang. O nome Ying foi dado para uma mulher e Yang, para o macho. Com o passar do tempo, não descobre que macho não é macho. Yang também era uma gatinha. Yang sempre foi xucra e recatada, enquanto que a era Ying mansa e exibida. Acabou sendo um Ying sendo roubada e nós ficamos apenas com um Yang.
             Bom, Yang cresceu e virou uma linda gata. Nós somos um gato macho siamês, ao qual chamamos Grafite. Como era de esperar, grafite e yang se apaixonaram e tiveram um amor intenso. O que resultou em uma gravidez. Quando Yang estava grávida, caiu da cadeira onde dormia, o que acarretou o início do trabalho de parto. Sofreu por 24 horas, ganhando seis bebês que cresceram mortos. Só então levamos ao hospital veterinário, onde ela ganhou mais dois, que sobreviveram. Ela foi sendo castrada, por ter risco de morte.
             Como uma mãe carinhosa, o Yang cuidava de seus dois bebês com muito zelo. Todavia, mais uma tragédia aconteceu na vida da gatinha. A nossa cadela pastor alemã Sacha entrou em casa e matou um dos gatinhos. Sobrou apenas um. Esse levou o nome de Pluft, por que era branco como um fantasma (o fantasminha, lembram?).
             Enquanto Gaiola cuidava de Plásticos, o Grafite saía pela vizinhança a outros casos amorosos extras-conjugais. E conheceu a gata preta vira-lata Caca, da vizinha. E Caca teve cinco gatinhos, mestiços a siamês. Eles eram estranhos, pois tinham a característica de siamês ao mesmo tempo não. Eram de um cinzento mais escuro, como “cor de burro quando foge”. O Grafite volta e meia ia visitar Caca e era muito amorosa com ela. O amor e as duas esferas estão no caminho e são encontrados em Yang e as duas brigaram feio.
             Quando os gatinhos já estavam em tamanho para a adoção, eu quis adotar uma gatinha filha da Caca. Ela era mais linda da ninhada e eu levei pra viver lá em casa, com um Yang, Pluft e o pai Grafite. Essa gatinha eu dei o nome de Tina. Logo to a Yang found a Tina, foi uma rejeição total, ela a detestava. Já foi um pai aparentemente carinhoso, e Pluft a adorou. Os dois brincavam juntos.
             Tina e Pluft cresceram e viraram namorados. Tina was mudando de cor e ficou preta como mãe e angorá. A agia como se soubesse que ela era filha da amante de seu marido, e elas estavam sempre brigando. Mesmo depois de Tina teve que filhotes de Plumas, ainda com mais características de siamês, Yang não a aceitava. E ... Engraçado ... o Grafite nunca quis quis nada com uma Tina, como se soubesse que ela era sua filha.
              Com o passar do tempo, Grafite desapareceu. Não se sabe se foi embora, se foi adotado por outra família, ou se morreu por aí. E Pluft foi envenenado e morreu no hospital veterinário.
             A Yang morreu de velha em 2006 e Tina morreu na madrugada de 21 de abril de 2018, também de velha. A velha Yang, com mais de 10 anos, amoleceu o coração e acabou aceitando uma Tina. Elas foram por um processo de reunião. Às vezes uma Tina chegava e encobria uma cabeça na Yang. E a partir de agora um lambê-la, lavando o rosto da Tina a moda gatos. E assim tão carinhoso e lindo o momento ... Entre madrasta e enteada passou a só nosso amor. Ah ... Elas eram lindas.

(Cláudia Elisabeth Ramos)








 Um Mundo

          O chão está úmido. Minhas costas sentem sua friagem. Há uma brisa fresca e uma lua linda. Arranha céus não só arranham o céu como o rasgam. Num beco vazio da cidade vejo minha imagem refletida em nuvens escuras de minha vida. Minha vida? Aaaahhhh! Quero gritar, mas gritos e lágrimas são expressões funestas nesta vida-morte. Talvez quando as tivesse ainda eu estivesse viva.
           Espere! A mim, o mundo de um só. Aos outros, a comunidade. Nas nuvens do meu passado vejo: criança - mãe, dois irmãos; adolescente - mãe, padrasto, quatro irmãos, colegas, amigos inimigos; adulta - esposo, vizinhas, colegas; hoje - ninguém. Todos me acusam. Erros? Muitos erros, a nuvem mais carregada. Ser pobre, ter fome, não ter casa, nem emprego, nem ninguém. Não há ninguém dentro do peito. A escuridão da alma-noite é mais fria que a vida, faz parte da solidão.
           É dia. Há uma multidão em minha volta. A minha solidão é a mais profunda. Já que estou sozinha, vou fazer o que quero. Levantar desta laje fria, ressuscitar da sepultura e gritar para mim mesma ouvir. Anunciar a criação de um novo mundo, o meu mundo. O mundo em que sou Deus. Senhora de minhas ações! Pensando bem, criarei algo novo. Aqui se falará a minha língua. Aqui quem tiver menos será o rei. Aqui quem não conhecer ninguém será condecorado. Aqui o nada existirá, mas o nada só fará parte de meu mundo.
           Ei! Vamos brincar? Falemos na minha língua. Anestropio o lasca dod novoader siluadar? Você não entendeu? O que está acontecendo? Querem destruir meu novo mundo? Não, não me coloquem aqui! Não me prendam! Não me levem para aquele lugar horrível. Deixem-me viver em meu mundo. O que tem contra isso? É contra a sociedade? Mas quando eu vivia com vocês me diziam que eu era contra a sociedade. O que há? Sei que não me ouvem. Essa voz vem de meu novo mundo... dos meus sentimentos. Estou adormecendo, morrendo novamente e na minha vida-morte renascendo.
           Não tenho chance de ressuscitar em meu mundo. A lua está coberta de nuvens negras outra vez. Há alguém aqui? Claro que não. O todo que me espera é a liberdade de minha alma. A liberdade em mim mesma, dentro de um hospital psiquiátrico. Estou louca. Louca? Ou só? Sim, em busca de meu mundo destruído, tentando criar um melhor.

(Cláudia Elisabeth Ramos)








 Alucinação Mortal

          Silencioso desde o momento que o vi... talvez a imagem fosse a de um espelho. Não, o silêncio dava gritos em meus ouvidos. Resolvi não dizer nenhuma palavra... bem capaz que eu fosse pedir para me falar alguma coisa. O vento caprichou por entre a estrada de areão. Eu poderia cuspir um tijolo: Que poeira! O jipe pulava por entre os buracos do meio do caminho. Uquii! Ouvi um grunhido dele. Estava tão fascinada que nem notei por que havia grunhido. Não tirava os olhos dele e ele da estrada mudando sua face simpática para uma de pavor. Um grito substancial quebrou o espelho... ou o silêncio:
          - Oh, meu Deus!
          Meu corpo enfiava-se em meio aos espinheiros da beira da estrada. O carro rangia estridente. Outro tipo de lata sangrava e amassava meu corpo. O sangue escorria por tudo. Gritei como meu amado:
          - Oh, meu Deus!
          Meus olhos o procuravam, mas mal podia eu enxergar. Estava longe do veículo e meus sentidos desligando-se automaticamente apesar de não sentir dor, estava a procura dele... dele... dele.
           Alguém andava no meio daquele matagal. Pareciam passos de animais quadrúpedes. Vi um cavalo e um homem. Ou era um homem cavalo? Espera aí? Isso não existe! Ele olhou para mim e sussurrou em uma linguagem desconhecida, algo. Veio mais perto e se abaixou. Pegou-me nos braços e carregou-me cuidadosamente. Senti minha carne gemer... via seu rosto... não podia acreditar... Era o meu amor, o dono do jipe. Ele me colocou em uma cama e outro ser estranho - parecia um fauno, mas com o rosto do meu amor - cuidou-me com diversos remédios. Senti distanciar-se e um anjo desceu para perto de mim, também com o rosto dele.
          Senti que estava delirando... ou morrendo. Alucinada por uma paixão que nunca ousou principiar. Deixei uma lágrima cair e vi um jato d'água correr no meu rosto. Uma cachoeira me encharcava. Vi minha vida correr como a última gota de um copo d'água... Eu estava morrendo. Mesmo com os olhos fechados via a figura dele em um caixão. O sangue corria por sua boca como esta cachoeira da vida. Um grunhido e a morte num lugar onde ninguém ousaria passar. O fim do mundo e de meu mundo.
          - Por favor, acorde! - disse uma voz apavorada.
          Abri meus olhos. Era ele novamente, mas desta vez normal. O lugar era todo branco, eu estava deitada e havia homens de branco. Sussurrei:
          - Nós morremos? Estamos no céu?
          - Não...
          - No inferno?
          - Claro que não! Nós estamos muito bem vivinhos. Fomos salvos por uns fazendeiros que passam pela região. Eles vieram um cavalo e nasceram em um celeiro perto daqui, onde eles criaram cabras e galinhas. Chamaram uma ambulância e levaram para este hospital.
          Você pode ter uma chance de abraçar meu amor mais uma vez ... No entanto, ele foi atingido por uma flecha de um centauro e morreu em meus braços. O homem passou os miolos de todos os cuidados e o fauno dançou ao redor dando risadinhas medonhas. Mais um momento.

Texto de Cláudia Elisabeth Ramos
 Premiado com o 1º Lugar em Conto no
 "VII Concurso Literário Viamonense" (1991)
 Edição Festiva de 250 anos de Viamão.








O Resgate


        Olhava firmemente o espelho. Olhava sua imagem? A si mesmo? Ou a moldura? Quem sabe? Estava ali estagnado sem mover os olhos, estes brilhantes. Os olhos pareciam lançar algum sentimento profundo. Sentimento? Era forte e destruidor... Era amor.
        – Vá pro quarto e pare com isso – disse uma voz do outro lado da porta.
        E ele retirou-se obedientemente. Deitou-se na cama. Mergulhou de ponta em seus sonhos... Nossa, foi tão de repente que essa ponta quase quebrou. Quase quebrou seus sonhos e ideais. Iria destruir seus jogos de poder. Mas, ainda bem, foi quase. E no sonho, misturou-se em uma aventura, donde seu dever era resgatar o seu coração de ouro roubado por um homem atrevido e danado. Ele tinha a mania de flechar o coração dos outros, em seguida arrebentar a cordinha da razão e fugir com o coração dos outros. Levava-os a um local desconhecido.
         Na missão, sabia que todos que foram atrás dos corações roubados nunca mais voltaram a ser como antes. Tinha medo. Era loucura seguir corações. Mas ergueu a cabeça e foi, Enfrentou tormentas, lutou contra dragões, exércitos desconhecidos, barreiras, até encontrar aquele homem. Empunhando uma espada tirada da alma, encurralou-o em um canto e obrigou-o a dizer onde estava seu coração. Ele disse que tinha dado ele a quem merecia. E ele perguntou onde estava esse que se apoderou de seu coração. O ladrão disse e ele foi.
         Achou a pessoa vagando no nada. Ela era bela e muito parecida com si mesmo. Exigiu o coração e quando esse retirou a corrente com o coração para devolvê-lo a ele, o coração caiu no chão. Ao cair, o coração de ouro quebrou-se em mil pedaços.
         E ele quase morreu em desespero. Que regate foi aquele? Nada foi resgatado. Perdeu seu coração para sempre, destroçado diante a imensa dor do desprezo, da saudade, da desilusão. 
         E ele acordou... E agora? Chorou... chorou... na cama deitado... Lembrou-se do espelho. Ainda havia ele. Levantou-se e voltou até ele. E voltou a olhá-lo firmemente com amor.










Comunicação e o Poder – Palavra de criança

Moro em uma casinha do BNH. Não sei muito bem o que significa esse nome, mas sei que o homem da televisão falou que havia sido extinto. Mesmo assim, papai vive reclamando do preço de nossa casa. Não me importo muito com isso, passo o dia vendo televisão quando não estou na escola. Mamãe fica zangada e diz que gasto muita luz. Manda-me ler “Gibi”. Até que é bom. Principalmente os da Disney, os daquele cara que fez a Disneylândia. À vezes brinco disso. Pego os meus heróis da TV e dos “Gibis” e brinco. Sou o Milionário excêntrico: o “Tio Patinhas”. Moro numa imensa caixa forte e não dou um tostão a ninguém. Também gosto de ser o He-man, mas daí eu prefiro brincar com os brinquedos da “Estrela”, do He-man e de sua turma. Eu ganhei eles no natal depois de ter passado de o ano na escola.
A mana não gosta de brincar, gosta muito de ler a revista “Júlia” e a “Love Story”. Não perde a “Horóscopo Capricho”.
Mamãe gosta da “Casa Cláudia” e da “Contigo”. E papai , não sei direito, acho que não gosta de ler revista. Vejo ele só lendo jornal. Todos os dias consegue o jornal do vizinho emprestado e lê, até na TV ele não perde um “Jornal Nacional”.
O mano mais velho desapareceu, foi ser como aquele moço da “rádio novela” que foi preso. Ele vivia com muitas “Gatas”, lia muito aquela revista de mulher pelada, a “Playboy”. Se drogou, não sei o que é isso, porém na TV diz para nós dizermos “DROGA NÃO”. Deve ser algo muito ruim. Papai o chamou de preguiçoso. Disse que ele virou um “marginal”. Eu o vi estes dia com um cartaz nas mãos fazendo protesto, reclamando sobre uma coisa. Que guri besta, mesmo! Eu sei que ele está louco para tomar uma limonada e deixar tudo ali como está, eu vi no desenho da TV quando o Pato Donald fez o mesmo.
Papai acha que tudo que é greve é ilegal. Disse que no “Jornal Nacional” que quem está fazendo greve está reclamando de “barriga cheia”. Tinham um ótimo salário e trabalhavam pouco. Papai trabalha muito mais e ganha menos e, mesmo assim, não faz greve.
A mana vive cantarolando aquelas músicas das rádios e imitando aquelas palavras estranhas. É “uer guede chi ui” e não sei o que Maísa. A mana me ensina como falar “Eu te amo” naquela língua, inglês: “Ai love iu”. Não sei como se escreve, mas é parecido com isso aí.
A mana não pode ver um comercial que quer comprar. É de tudo, principalmente roupas. Às vezes ela fica tão estranha com aquelas roupas, mas diz: “É a última moda!” Falando nisso, eu gostaria mesmo é de morar em uma daquelas casas da “Novela das Oito” ou dos “filmes da TV”. São grandes, as pessoas chegam em casa despreocupados, tomam drinks, comem o que querem e compram as mais malucas e geniais coisas. Papai disse que isso é privilégio dos ricos. Eles têm esse direito. Eles trabalharam e estudaram.
Sabe, a minha prima foi para os Estados Unidos, a mãe dela ganha um dinheirão. E ela não estudou e disse que ficou rica. Mamãe disse que ela trabalha muito sendo “empregada doméstica” e que não está feliz, não! Mas a minha prima não reclamou nada, ganhou toda a coleção da “Barbie”. Deve ser um “barato”.
Meu pai disse que os Estados Unidos são nossos amigos, eles ajudam ao Brasil. Isso com empréstimos de dinheiro. Não sei por que então o Roberto, o nosso vizinho, odeia os Estados Unidos. Chama-o de explorador. Não compreendo mesmo, se até na televisão, em jornais e em filmes são sempre o herói. O seu Roberto deveria ser preso, é o que diz papai. Ele é inimigo da Paz Social e Anarquista. Fala mal dos Meios de Comunicação, dizendo que está nas mãos do governo e que estes controlam o povo. Papai diz:
– Que besteira!

(Trabalho feito por Cláudia Elisabeth Ramos
durante o Curso de Jornalismo, onde foi analisado
 o livro “Comunicação e Poder” de Pedrinho Guareschi 
– na cadeira Sistemas Internacionais de Comunicação,
prof. Roberto Ramos.)









O Riacho

           Em alguma cidade existe um riacho. Pode ser na sua cidade ou não, na de um conhecido, ou de um desconhecido. Quem olha pra ele pensa: "Que nojento, esse Riacho!" Sua água é marrom, tem espumas sobre ela, tem sacos de plástico sobre e no seu fundo, tem garrafas pets boiando, tem pneus, tem até um sofá velho... "Deviam acabar com ele".
          Me disseram que um dia ele foi lindo, que até tomavam banho nele, em suas águas cristalinas. Que mulheres lavavam roupas nele. Disseram que dava pra beber de sua água.
          Hoje não tem como. Há diversas casas construídas sobre ele, com suas latrinas para ele. Afora isso, há os canos do esgoto da cidade que terminam nele. Dizem que é para seguir o fluxo das águas.
E tem os canos da fábrica que larga sua água azul dentro dele.  Não se sabe por que é azul.
        Um ecologista vai dizer que não se deve jogar lixo no riacho, que nem as mulheres deviam um dia ter lavado roupas nele, nem tomado banho. E que aqueles moradores tinham que tirar suas casas dali, que na primeira cheia do riacho, vão ter suas casa destruídas. A fábrica não podia largar seus dejetos assim, tinha que tratá-los.
        Mas eu vejo ainda pessoas trazendo lixo e largando ali. O Riacho não tem mais jeito, está morto, não tem mais peixe nele. Ouvi uma pessoa dizer que encontrou uma rã de três pernas, e um ecologista disse que ela foi gerada graças a poluição.
       Poluição no Riacho... Isso não devia ser prioridade para os políticos? Pessoas dizem que não. O que tem que ser prioridade é a situação financeira, segurança, a saúde e a educação. Ninguém precisa de um velho Riacho Morto. Então os políticos deveriam pelo menos cuidar do que o povo acha importante.
      As pessoas só lembrarão do Riacho quando não houver mais água potável. Se pelo menos o povo tivesse educação para não jogar tanto lixo nele, se tivesse condições financeiras para não precisar morar ali, se os proprietários das fábricas tivessem consciência da saúde que estão prejudicando. Só assim ninguém mais se preocuparia com a segurança. Todos estariam seguros.
          MORAL: PROTEJAM AS ÁGUAS ANTES QUE SEJA TARDE.
(Texto de Cláudia Elisabeth Ramos, escrito na 8.ª Série do 1.º Grau)








O Cruzado Furado

Estava no ônibus, indo para casa, quando percebi um bafuá lá na frente do mesmo. Tratei de dar atenção ao acontecimento. Todos olhavam para o chão do veículo e riam. O que será que tinha tanta graça? Era um “Pega você! Eu não! Eia, sai” para todo o lado. Olhei e descobri o motivo: “Uma nota de mil cruzados antigos.” Era um arrasta pé só. Cada um que passava tinha que pisoteá-lo. Era o melhor a fazer.
O ônibus já vazio, um senhor de idade bem avançada, sentou ao lado da nota já bem suja e furada. Olhou-a e começou a rir. Mostrou para um conhecido seu, que estava noutro lado do corredor, que refletiu outro sorriso de negação.
O Senhor retirou de seu bolso uma nota de quinhentos cruzeiros e disse sorrindo:
– Se fosse essa, todos queriam pegar.
Uma menina sentou a frente do senhor. E outras pessoas passaram pela nota a chutando para o lado dela. O senhor cutucou a menina mostrando a nota. Ela riu e renegou-a também.  E o velho insistia com a jovem. Ela sorriu e colocou o pé sobre o cruzado. Puxou-a pra lá e para cá com a intenção de rasgá-la. Uma senhora que achei se a mãe dela passou e a puxou para descer do ônibus. O senhor também levando e preparou-se para desembarcar. Em seguida, desceu.
A próxima parada era a minha. Levantei e discretamente, quando descia do veículo, passei a mão no pobre cruzado e levei para casa.
Sempre tive a mania de guardar dinheiro antigo e nunca menosprezei nem mesmo uma moeda de um centavo. Mas não foi este o motivo que me levou a pegá-lo. Na verdade, “mil cruzados” ainda tem valor, ainda que pouco. Se quando formos comprar uma coisa qualquer e faltar um cruzeiro, que equivale a “mil cruzados”, não poderemos leva a mercadoria.
E “mil cruzados” a pouco tempo atrás tinha muito valor. Muita gente passou fome por faltar “mil cruzados”. Como se pode esquecer tão rapidamente um papel que valia um ou dois pratos de comida. Foi a inflação a culpada da perda de seu valor, não a pobre nota. A moeda muda, mas a história fica. Porém o povo esquece, tem memória curta. Não importa que ela tenha salvado a vida de alguém no passado, como no filme “O Dólar furado”. Para quem não viu o filme, era um faroeste onde uma bala tingia o protagonista no peito sobre um bolso onde havia um dólar. E esse dólar salva o mocinho. Mas voltando, é apenas  “mil cruzados” velho, não tem mais valor, hoje não salva ninguém...

Cláudia Elisabeth Ramos
(25/07/1990)





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