quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Cronicas

 Série "Crônicas de Guerra"


Voltar para casa

             Estávamos acampados, descansando. Ao meu lado estavam meus amigos: Flores, Smith e Joshua. Mais distante de nós, à frente, estavam Hart e Byrne. Todos sentados no chão. Vi quando o sargento Ladd chegou em Hart e deu para ele uma carta. Disse:

                – Isso é para você, Hart.

                Hart pegou a carta, estranhando, abriu-a e leu. Gritou alegre:

                – Uau! – saltou muito feliz.

                Byrne perguntou para ele curioso, enquanto todos nós olhamos para ele, tentando descobrir o motivo de sua felicidade:

                – O que diz essa carta?

                – Eu vou pra casa! Fui dispensado! – gritou ele eufórico. – Eu vou pra casa!

                Nós sorrimos felizes por ele. Parabenizamo-lo. E ele saiu correndo do nosso lado, para ir embora. Ainda abanou, despedindo-se. E todos nós ficamos de repente tristes. Eu senti inveja dele, mas não falei nada. Acho que os outros também. Questionava em pensamento: “Por que não me mandam para casa?” Mas foi Smith quem perguntou:

                – Qual o critério para um de nós sermos dispensado?

                – Não faço ideia – disse.

                – Nem eu – disse Joshua e Flores uníssonos.

                – Eu queria muito voltar para casa, já estou a tanto tempo aqui – completei.

                – Nós também, Irving! Viemos juntos – disse Flores, mostrando Smith e Byrne.

                – Sim, nós nos conhecemos desde o treinamento – disse Byrne indignado. – Quanto tempo estamos aqui nesse inferno? Três ou quatro anos?

                – Acho que três e meio – disse.

                – Eu estou antes de vocês – disse Joshua, triste.

                – Hart chegou bem depois de nós todos – disse Smith. – Por que ele vai ser dispensado e nós não?

                Ninguém sabia e ficamos todos falando de injustiça e etc. Eu então levantei e disse:

                – Sabem de uma coisa? Vou perguntar para o coronel – e todos incentivaram.

                Fui. Entrei na tenda dos oficiais. O coronel Lander e o capitão Koch jogavam xadrez, sentados diante a uma pequena mesa onde estava o tabuleiro. Parei diante aos dois, fiquei em posição de sentido e bati continência. Os dois não se mexeram, concentrados olhando ao jogo.

                – O que você quer, Irving? – perguntou o coronel, sem vontade e sem me olhar.

                – Qual o critério para um soldado ser dispensado e voltar para casa?

                – O quê? – perguntaram juntos o coronel e o capitão, voltando-se para mim.

                Expliquei:

                – Hart ganhou dispensa e foi para casa. Por que ele foi escolhido? Foi o senhor quem o escolheu, coronel?

                – Não! Mas... Bom pra ele.

                – Quem escolhe quem vai ser dispensado?

                – Não tenho a menor ideia. Você sabe, capitão? – e o Koch negou. –E ele já vai tarde! Não sentirei a falta dele. Se ficasse mais, seria morto.

                – Então... Vocês não sabem? – perguntei aos dois.

                E os dois concordaram. O coronel ainda disse:

                – Eu também quero ir pra casa.

                – E eu também – disse o capitão.

                Sorri para os dois. Bati continências e sai, voltando para junto dos outros soldados. Logo fui informando:

                – Eles não sabem! Não são eles quem decide.

                Sentei entre Flores e Joshua, pensativo. Smith disse pensando alto:

                – Feridos...

                – Nem todos os feridos são dispensados. Já estive ferido diversas vezes e não me dispensaram – completei. – E Hart não estava ferido.

                – É, você tem razão... Carter foi por que ficou paralítico. Gomes por ter ficado cego. Lincol por ter perdido o pé. Então, mutilação dispensa a gente. Hart, Lewis e Gasparetto... não sei.

                – Diaz por ter perdido a mão esquerda – completou Flores.

                Todos concordaram e eu disse:

                – Então, mutilação dá dispensa – e todos concordaram.

                – Também, como alguém vai lutar mutilado? – perguntou Byrne.

                – Vamos tentar descobri, desses que não foram mutilados – continuou Smith. – Eram ótimos soldados? – perguntou a todos.

                E houve muita discussão. Todos concordamos que não eram.

                – Péssimos? – todos negaram, dizendo que eram soldados mais ou menos. – Algum deles salvou alguém? – todos negaram. – Algum fez algo heroico? – todos negaram. Smith olhou para nós e perguntou diretamente: – Algum de vocês fez algo salvando alguém? – Todos ergueram os braços. – Então todos nós fizemos algo heroico... Então está aí o motivo da dispensa, soldados ruins vão para casa, os bons ficam. Os ruins e os mutilados voltam pra casa.

                Entristecemos.

                – Isso não é justo – disse Byrne triste.

                – Mas é lógico – disse também triste. – Para vencerem a guerra, tem que ser os melhores... Ninguém vence a guerra com péssimos soldados – todos concordaram.

                Eu também me senti injustiçado, porém não falei nada. Estava louco para ir para casa. O interessante era que me lembrava da Irlanda e pensava em voltar para lá. Lembrava-me do tempo em que ficara ajudando papai com a produção de mel (Ida para os Estados Unidos, Livro 1, pág. 54). Lembrava até de mamãe servindo bolo e me dando carinho. Mesmo que soubesse que não ia encontrá-la mais lá, a relacionava com a Irlanda. Não recordei nada dos Estados Unidos, nem de nenhum momento bom com Kristie.

                Pensei que se queria ir pra casa, eu deveria fazer tudo errado. Era isso que eu pretendia fazer. Não ia mais me atirar de cabeça nos combates.

 

 

                No outro dia pela manhã nos confrontamos com os japoneses. Tentei ser ruim. Procurava me defender e não mais atingir aos japoneses. Todavia, vi quando um japonês ia atingir Flores. E eu, não podia deixar que matassem meu melhor amigo. Acabei matando o japonês e salvando a vida dele. Vi quando outro japonês ia atacar com uma faca Smith, não conseguia deixar isso. Não considerava Smith meu amigo, mas era companheiro e não podia permitir que um japonês fizesse isso. Vi que uma metralhadora ia atingir Byrne e saltei sobre ele, impedindo que suas balas o matassem. Não dava para ficar parado e não me importar com eles. E quando um japonês saltou diante do coronel, tive que protegê-lo, era mais que um oficial, era meu amigo. Em resumo: não consegui ser um mau soldado.

                Flagrando-me disso, quando terminou enfureci de raiva e me prometi que seria ruim no próximo. E aconteceu outro, e eu continuei sendo o mesmo. Era contra meus princípios deixar que matassem meus colegas e os oficiais. E eu sempre fazia de tudo para salvá-los. Pestanejei, maldizendo a mim mesmo por isso. O terceiro confronto foi a mesma coisa. Parei chorando forte, pois sabia que não tinha como eu mudar, não ia deixar que ninguém matasse meus companheiros e nunca iria desobedecer uma ordem.

                Smith parou a minha frente vendo que eu chorava. Perguntou:

                – O que está acontecendo, irlandês? Por que está chorando?

                – Porque eu nunca irei par casa...

                – Ah? Claro que vai!

                – Não! Eu não consigo ser ruim... Há três combates estou tentando, e eu não consigo – chorei.

                – Ah, é isso! Eu também estou tentando, mas não posso permitir que matem meus colegas, nem deixar que esses japoneses vençam. Somos dois.

                – Três – disse Byrne, intrometendo-se em nossa conversa. – Quero tanto ir pra casa, encontrar-me com a Priscila, casar com ela. – Mas não consigo deixá-los nos vencer...

                – Então não vamos pra casa – disse. – Não consigo mudar.

                Flores intrometeu-se e disse:

                – Vamos sim! Nós vamos ganhar a guerra e quando ela terminar, iremos todos para casa como vencedores!

                Eu não acreditava que ia sobreviver a guerra, mas não discordei. O que ele falou dava esperança aos outros. Smith e Joshua concordaram em ele e vibraram, entusiasmados.

 

 

                Passados alguns dias, Byrne parou no meio de nós e disse:

                – Ouçam! Hoje eu vou para casa de qualquer jeito – eu estranhei.

 

 

                Um pouco mais tarde no mesmo dia entramos em combate. Byrne estava ao meu lado, quando o vi pegando uma granada. Pensei que ele ia jogá-la nos inimigos, mas não. Ele tirou o pino e espichou o braço, sem lançá-la. Virou o rosto e fechou os olhos. A granada explodiu com a mão de junto. Eu apavorei-me.

 

 

                Dois padioleiros levavam Byrne já com o que restava do braço com curativo e disse para mim e para Smith quando nos aproximando. Sorria:

                – Eu disse que ia pra casa hoje!

                Nós dois nos olhamos sérios e tristes por ter sido apenas desse jeito que ele conseguira ir para casa. Fomos para junto dos outros e todos diziam que ele era louco. Disse para todos:

                – Ele não era louco, nem foi loucura. Foi na realidade, saudade de casa...

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