sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Crônicas

  Série "Crônicas de Guerra"

Tifo

 

Estava deitado no chão e chovia muito. E eu sentia-me muito mal, tinha calafrios, tremia, sentia-me tonto e sem condições de me levantar. Estava no mesmo lugar que sentara antes, junto com os civis os quais havia salvado, só que deitado no chão. Vi os dois padres ocidentais me examinando, em plena chuva. Vi o capitão Flynn e o major Welt parando de pé ao meu lado, junto com eles e a mulher asiática.

– Ele está ardendo em febre – disse ela, após acocar-se e tocar em minha testa.

– Perdoem meu estado – disse ao capitão e ao major, eles nem responderam como se eu falasse algo absurdo.

Não sei contar direito o sonho, ou o que aconteceu, estava tudo muito confuso. Pensava em minha mãe Veronic e chamava por ela. Também pensava em Jessica e em Peng Li. Depois senti que me carregavam de jipe, via o padre ao meu lado, dentro do jipe, mas minhas ideias estão confusas.

Senti que duas outras freiras asiáticas me ajudavam a tirar minha farda e ela estava imunda, molhada e fedorenta. As duas quase vomitaram ao pegar a farda. Pegavam a roupa com as pontas dos dedos, com nojo, diante a imundice dela. Não sei onde estava. Talvez num hospital.

Depois eu estava numa cama de um quarto isolado que havia um crucifixo sobre a cabeceira da cama e duas irmãs asiáticas (usando hábito branco, católicos) pararam ao lado me olhando. Olhei pro rosto delas e chamei por Peng Li, lembrando-me dela. Uma delas falou em inglês e reconheci ser a mesma asiática que falava inglês e que eu salvara. Ela agora usava hábito branco.

– Meu nome não é Peng Li. É Tereza.

Vi ela e a outra conversarem:

– Acho que é Tifo! – disse Tereza.

– Mas pode ser a Gripe Espanhola.

– Tenho quase certeza que é Tifo. Veja os sintomas!

 

 

Estava sentado na cama, fardado, limpo, e tinha certeza que tivera Tifo. Entrou no quarto a irmã Tereza. Disse-me:

– Eles estão lá fora lhe esperando.

Entendi que se tratava de minha tropa. Despedi-me dela e saí dali, seguindo por um corredor comprido, que findava numa estátua de Jesus Cristo*. Não cheguei até a estátua. Andei mais a frente e no meio do corredor tinha uma porta larga que ia para fora. Notei que eu saída de uma espécie de seminário, ou mosteiro, ou até convento. Saí por ali. Andei mais a frente e havia um grupo de oficiais, aos quais não prestei atenção aos postos deles. Apresentei-me, batendo continências.

– Primeiro Sargento Astor Irving, apresentando-me!

– Entre na fila, sargento – disse um deles.

Havia uma fila de soldados que estavam à beira de uma estrada de areão. Entrei na fila e fiquei contente porque ali ninguém me conhecia, ninguém tinha medo de mim, ninguém me repelia e era óbvio que ninguém me chaChiang de torturador, nem monstro. E também ninguém me mandaria torturar ninguém. Senti-me feliz por estar ali e não com minha antiga tropa.