quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Crônicas

 Série "Crônicas de Guerra"


Bebedeira

 

Era noite e eu estava amarrado por um arame farpado a um poste de uma cerca. Estava com uma mordaça na minha boca, feita por um trapo velho. Tinha um arame farpado que me sufocava enrolado a minha garganta ao moerão. Com o canto do olho vi meu amigo Johnson. Johnson era um soldado como eu afrodescendente, forte, alto e bonito. Ele estava como eu, enrolado com o arame farpado no outro poste da cerca. Tanto eu quanto ele estávamos espancados.

A cerca ao qual estávamos presos era à beira de uma estrada de areão. Vi passando pela estrada a nossa frente nossos colegas Flores, Hart e Brian. Hart era branco de cabelos castanhos e olhos verdes, seu nome é fictício. E Brian era branco, de cabelos e olhos castanhos. Seu nome também é fictício. Os três iam passando sem nos verem. Eu desejava gritar pedindo socorro, mas não tinha como. Fiquei torcendo em pensamento para que um deles olhasse na nossa direção. E quem fez isso foi o mexicano. Ele olhou para nós sem acreditar no que via.

– O que é isso? – perguntou ele para os outros dois.

Hart e Brian olharam. Quando se aproximou de nós é que Flores nos reconheceu.

– Irving? Johnson? – e correu em nossa direção.

Os dois outros colegas também vieram. Os três chegaram a nós e foram nos desamarrando, ligeiros, desenrolando os arames. O mexicano veio em mim e Hart e Brian em Johnson. Eles ainda não tinham tirado todo o arame farpado do redor de nós quando tiraram as nossas mordaças.

– O que aconteceu? – perguntou Flores para nós dois enquanto nos desenrolava.

Eu não recordava de nada. Johnson passou a falar furioso:

– A culpa toda foi do irlandês, aí! Ele agarrou e beijou uma garota com o namorado no lado e ainda disse um monte de besteiras para ela e o namorado. O namorado dela reclamou. O irlandês achou-se ainda com o direito de dar um soco nele. O homem lutava como um louco e passou a dar uma surra no Irving – deve ter usado alguma arte marcial. – Eu tentei fazer o homem parar, e defender esse infeliz aí. Só que ele estava com um grupo de amigos. Eles acabaram batendo em nós dois e fizeram isso conosco.

Tive dificuldades de acreditar em tudo aquilo que Johnson disse. Quando estávamos totalmente soltos, questionei para ele:

– Eu fiz isso mesmo? Não me lembro de nada!

– Claro que não lembra! Estava bêbado.

Eu comecei a rir e o mexicano também. E acabou todos nós rindo, até mesmo Johnson. Depois, Johnson pediu para Flores, Hart e Brian:

– Não contem nada pros nossos superiores.

Tanto eu quanto ele sabia que se descobrissem que nós fizemos arruaça na cidade seríamos punidos. Os três garantiram que não iam contar nada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário