sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Um Mundo - Conto



 
 
          O chão está úmido. Minhas costas sentem sua friagem. Há uma brisa fresca e uma lua linda. Arranha céus não só arranham o céu como o rasgam. Num beco vazio da cidade vejo minha imagem refletida em nuvens escuras de minha vida. Minha vida? Aaaahhhh! Quero gritar, mas gritos e lágrimas são expressões funestas nesta vida-morte. Talvez quando as tivesse ainda eu estivesse viva.
           Espere! A mim, o mundo de um só. Aos outros, a comunidade. Nas nuvens do meu passado vejo: criança - mãe, dois irmãos; adolescente - mãe, padrasto, quatro irmãos, colegas, amigos inimigos; adulta - esposo, vizinhas, colegas; hoje - ninguém. Todos me acusam. Erros? Muitos erros, a nuvem mais carregada. Ser pobre, ter fome, não ter casa, nem emprego, nem ninguém. Não há ninguém dentro do peito. A escuridão da alma-noite é mais fria que a vida, faz parte da solidão.
           É dia. Há uma multidão em minha volta. A minha solidão é a mais profunda. Já que estou sozinha, vou fazer o que quero. Levantar desta laje fria, ressuscitar da sepultura e gritar para mim mesma ouvir. Anunciar a criação de um novo mundo, o meu mundo. O mundo em que sou Deus. Senhora de minhas ações! Pensando bem, criarei algo novo. Aqui se falará a minha língua. Aqui quem tiver menos será o rei. Aqui quem não conhecer ninguém será condecorado. Aqui o nada existirá, mas o nada só fará parte de meu mundo.
           Ei! Vamos brincar? Falemos na minha língua. Anestropio o lasca dod novoader siluadar? Você não entendeu? O que está acontecendo? Querem destruir meu novo mundo? Não, não me coloquem aqui! Não me prendam! Não me levem para aquele lugar horrível. Deixem-me viver em meu mundo. O que tem contra isso? É contra a sociedade? Mas quando eu vivia com vocês me diziam que eu era contra a sociedade. O que há? Sei que não me ouvem. Essa voz vem de meu novo mundo... dos meus sentimentos. Estou adormecendo, morrendo novamente e na minha vida-morte renascendo.
           Não tenho chance de ressuscitar em meu mundo. A lua está coberta de nuvens negras outra vez. Há alguém aqui? Claro que não. O todo que me espera é a liberdade de minha alma. A liberdade em mim mesma, dentro de um hospital psiquiátrico. Estou louca. Louca? Ou só? Sim, em busca de meu mundo destruído, tentando criar um melhor.
 
(Cláudia Elisabeth Ramos)
 
 
 
 
 

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