quinta-feira, 19 de abril de 2018

Crônica





Uma Conversa no Cemitério


Vocês podem perguntar para mim o que faz um menino como eu, de 11 anos, sentado em cima de um túmulo assistindo a um enterro. Eu poderia até explicar, mas antes vou contar uma história.
Acho que vocês não conheceram a Dedé que estava comigo na 5ª série. Ela tinha a minha idade. A mãe dela é aquela senhora chata que rouba as bolas que caem no pátio da casa dela, quando jogamos futebol no meio da rua. Por causa dela, a turma perdeu três bolas e não podemos mais jogar. A Dedé andava no colégio de nariz empinado dizendo:
                – Agora eu tenho três bolas.
                Ela era cheia, mas era bonita e sempre que podia me ajudava na Matemática.  Pra vê, como dizia a mãe, é coisa do destino. Ela jogava bola com o Zé e a Nana, nossos vizinhos, quando a bola voou longe e foi pro meio da rua. A Nana disse que nem tinha olhado direito onde tinha caído a bola e a Dedé já estava correndo atrás. A coisa foi tão de repente que ninguém sabe de onde surgiu o caminhão. E acabou assim, eu assistindo a um enterro. Pelo menos a Dedé foi direto pro céu, nem se encontrou comigo.
                Durante essa história toda me lembrei do Pedrinho. Eu não o conheci direito. Ele era um pirralhinho da primeira série. Mas era brabo. Sempre que eu ia ao armazém e passava pela frente da casa dele, me sentava uma pedrada. Às vezes nós fazíamos as pazes e jogávamos “bafo”. Ele ficava furioso, porque sempre eu ganhava dele. Chorava como um louco e eu tinha que devolver todas as figurinhas dele. Assim eu não mais procurei ele e nem quis mais o conhecer. Um dia eu soube que ele correu empurrando a gurizada no meio da rua e neste jogo de empurra-empurra foi atropelado. Ele eu encontrei aqui. Disse que não quer ir pro céu agora.
                Acho que agora vocês querem saber da minha história. Bem, foi assim: Eu sempre fui uma criança “maravilhosa”. O quê? Acham que estou exagerando? Até pode ser... Mas minha mãe sempre me chamou de anjinho. Bom, nós íamos viajar, íamos para a praia. Eu enlouqueci de felicidade. Havia passado o inverno todo sonhando com a praia. A mãe queria ir conversando com a tia Adelaide. E a mana não se importava com nada. Eu queria ir na frente, no carro, ao lado do pai, para fingir que estava dirigindo. Insisti tanto que a mãe deixou eu ir na frente, mesmo sendo proibido. Então ficamos assim, eu e o pai na frente, a mãe, a mana e a tia Adelaide atrás. Meu pai nunca gostou de colocar cinto de segurança com medo de ficar preso dentro do carro. Íamos com ele apenas sobre nossos ombros, fingindo que usávamos, mas sem estar.
                Teve uma parte da viagem que íamos passar na frente da Polícia Rodoviária. Paramos e eu fui pra trás e a mãe pra frente e todos colocaram os cintos de segurança. Mal passamos e paramos novamente e voltamos como estávamos antes.
                Na estrada o carro voava. E eu já me imaginava o “Nelson Piquet”. Puxa, aquela estrada e a expectativa de chegar à praia fazia meu coração bater mais acelerado. Minha mãe abriu umas nove cervejas e foi tomando junto com o pai e a tia. Eu estava louco para crescer e poder tomar cerveja, mas ganhei uma latinha de refrigerante.
                Foi numa curva que aconteceu, O carro levantou voo e saiu da estrada. Só senti um rodopio em minha cabeça, uma gritaria soou e depois ficou tudo escuro.  Parece que a única que sobreviveu foi a tia Adelaide, mas ficou aleijada das pernas. Não pode andar.
                Pessoal, olhe quem está chegando. É o Pedrinho.
                – Como vai Pedrinho?
– Bem . Ei, quem é você?
– Meu amigo. – expliquei. – Gostou da história?
– Pela cara dele, não – disse Pedrinho. – Claro que não. Pelo menos eu acho que eles deviam prestar mais atenção no que fazem para não acabarem como nós.
– Não acredito, Pedrinho, você está pensando como gente grande.
Pedrinho sorriu e confirmou:
– Tem razão.
Para terminar, pessoal, quero que prestem atenção uma coisa: “Tomem cuidado ao andar na rua, não corram atrás de bolas, não fiquem fazendo jogos de empurra-empurra no meio da rua, lugar de criança é no banco de trás, usem cinto de segurança e motoristas não bebam quando forem dirigir. O carro foi feito para nos levar de um lugar a outro e não o tornem numa arma. E adultos, parem de ser maus exemplos às crianças.”
Senão pensarem nisso, acabarão como nós: fantasmas.

(crônica sobre Trânsito escrita por Claudia Elisabeth Ramos em 1987.)




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