sábado, 12 de fevereiro de 2022

Crônicas

 Série "Crônicas de Guerra"


Marcando um Encontro

 

Era noite. Estava eu e Flores deitados em uma trincheira. Eu ainda trazia no rosto o curativo do tiro que levara no rosto. Era noite e ambos estávamos com os pés para cima, encostado na outra parede da trincheira, olhando o céu. Era um céu lindo, todo estrelado. Admirávamos o céu.

– Com esse céu, você acredita que estamos em guerra, irlandês? – disse Flores.

– Por alguns instantes vamos imaginar que nós não estamos, mexicano – disse.

Ficamos um tempo em silêncio, apenas admirando o céu e as estrelas. Foi então que chegou Johnson na nossa frente, ficando de pé entre eu e o mexicano.

Ele falou voltado para mim:

– Estão lhe chamando de herói, Irving! – riu. – Há dias antes eles estavam todos querendo lhe matar. Entende eles?

– Não quero mais falar no que passou – disse para ele não continuar.

E Flores e eu dissemos juntos:

– Fica quieto, Johnson! Estamos olhando as estrelas.

Johnson olhou ao céu, olhou para nós dois e disse sem dar muita importância:

– É... O céu está bonito.

Depois se sentou ao meu lado. Sussurrou:

– Fez bem em ter matado o Slater. Se eu tivesse visto que ele estava atirando em nós, teria eu mesmo o matado.

– Não fale mais nisso – pedi mais uma vez, sério.

Então veio Arlen, o outro colega afrodescendente, e sentou-se ao lado de Johnson. Ele trazia ainda uma atadura no braço e usava uma tipoia, do tiro dado por Slater nele.

– O que vocês estão fazendo? – perguntou Arlen.

– Olhando as estrelas – disse o mexicano e eu realmente estava.

Ficamos mais um tempo em silêncio. Johnson voltou a falar:

– Devíamos nos reencontrar quando a guerra acabar para nos divertirmos juntos.

Todos gostaram da ideia, inclusive eu. Ele então continuou:

– Onde nos encontraremos? Podemos marcar a data, o local e o horário agora.

Todos concordaram. Houve uma polêmica quanto ao lugar, com todos falando ao mesmo tempo. Éramos quatro e cada um de uma região. E os Estados Unidos é um país muito grande.

– Tem que ser num local neutro, onde nenhum de nós quatro more – disse Flores.

– Nova Iorque – sugeriu Johnson e todos concordaram.

– Eu conheço Nova Iorque – disse.

– O seu irlandês filho da puta – disse Arlen, de forma brincalhona. – Você é estrangeiro e conhece Nova Iorque. Eu sou americano e nunca fui lá.

Tanto Johnson como Flores também disseram que não conheciam Nova Iorque. Eu ri e todos acabaram rindo também.

– Onde em Nova Iorque? – Johnson voltou ao assunto.

– No Central Parque? – sugeriu Arlen.

– Em que parte dele? – perguntei. – Ele é enorme. Sabe de algum marco no parque? – e ele negou, sacudindo a cabeça.

– Vamos mudar o local. Quem sabe na frente do Empire States? – sugeriu Johnson, desistindo do Central Park.

Veio-me a lembrança do King Kong sobre o prédio, na primeira versão do filme, de 1933, relacionando com o nome do prédio. Esse prédio era o mais alto de Nova Iorque daquela época.

– É bom termos cuidado com o King Kong – disse brincando.

Arlen perguntou, sem entender a minha piada:

– O que é isso? Empire States? King Kong?

– É o prédio mais famoso de Nova Iorque – expliquei. – Não viu o filme King Kong? É o prédio que o macacão ficou em cima – ele não disse se vira o filme ou não, mas me pareceu confuso. Achei-me que ele não tinha visto e não quis admitir. – Todos de Nova Iorque sabem onde é e é fácil encontrar. Basta perguntar para qualquer um.

Então todos concordaram até mesmo Arlen, convencido com meus argumentos.

– Ainda falta o dia e o horário – disse o mexicano.

Houve mais uma polêmica e todos voltaram a falar ao mesmo tempo. O nosso problema era que não tínhamos um calendário ali. Queríamos um fim de semana, um sábado ou um domingo.

– Já sei – disse Johnson. – No dia 04 de julho! – Dia da Independência dos Estados Unidos – É feriado, independente de calendário. E acho que é um bom horário às 16 horas. Será melhor que seja daqui a dois anos, em 1945. Acho que a guerra já deve ter terminado antes desse ano. Nós já devemos estar de volta, em casa.

Todos nós concordamos. Johnson então reforçou:

– Então está certo! No dia 04 de Julho de 1945, às 16 horas, na frente do Empire States nos encontraremos. Não vão se esquecer e que ninguém falte.

– Só faltaremos se estivermos mortos – disse Arlen, rindo.

Sussurrei para Johnson:

– Podemos convidar o coronel Lander.

– Não, irlandês! Você pode ser muito “amiguinho” dele, mas que ele é um pé no saco, é – disse Johnson e eu discordei com a opinião dele em pensamento, sem falar nada. – Vamos apenas nós quatro.

Foi então que passou na trincheira, desviando para não pisar sobre nós, o outro afrodescendente, Gordon, o qual eu não era amigo. Ele parou de andar bem no meio de nós, ficando com uma perna entre as minhas e outra entre as de Johnson.

– O que vocês estão combinando? – perguntou ele, pois tinha ouvido parte da conversa.

– Estamos combinando de nos encontrarmos depois da guerra, Gordon! – disse Johnson. – Quer também se encontrar conosco?

Ele sorriu e gostou da ideia. Eu não gostei, pois, como disse, não me relacionava bem com ele. Ainda preferia o coronel. E Johnson nem perguntou se ele podia fazer parte do grupo. Já foi convidando e tinha que aceitar, quisesse ou não. Aceitei, sem dar muita importância.

Todavia, de repente, Gordon foi atingido por vários tiros no peito e caiu morto sobre nós. Nós levantamos rápido, pegamos nossas armas e começamos a revidar vários tiros que vinham do escuro. Não víamos o inimigo. Lembro que eu só via as faíscas de quando os tiros eram lançados das armas, mesmo assim atirava na direção das faíscas.

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