Série "Crônicas de Guerra"
Marcando um
Encontro
Era
noite. Estava eu e Flores deitados em uma trincheira. Eu ainda trazia no rosto
o curativo do tiro que levara no rosto. Era noite e ambos estávamos com os pés
para cima, encostado na outra parede da trincheira, olhando o céu. Era um céu
lindo, todo estrelado. Admirávamos o céu.
– Com
esse céu, você acredita que estamos em guerra, irlandês? – disse Flores.
– Por
alguns instantes vamos imaginar que nós não estamos, mexicano – disse.
Ficamos
um tempo em silêncio, apenas admirando o céu e as estrelas. Foi então que
chegou Johnson na nossa frente, ficando de pé entre eu e o mexicano.
Ele
falou voltado para mim:
–
Estão lhe chamando de herói, Irving! – riu. – Há dias antes eles estavam todos
querendo lhe matar. Entende eles?
– Não
quero mais falar no que passou – disse para ele não continuar.
E
Flores e eu dissemos juntos:
–
Fica quieto, Johnson! Estamos olhando as estrelas.
Johnson
olhou ao céu, olhou para nós dois e disse sem dar muita importância:
–
É... O céu está bonito.
Depois
se sentou ao meu lado. Sussurrou:
– Fez
bem em ter matado o Slater. Se eu tivesse visto que ele estava atirando em nós,
teria eu mesmo o matado.
– Não
fale mais nisso – pedi mais uma vez, sério.
Então
veio Arlen, o outro colega afrodescendente, e sentou-se ao lado de Johnson. Ele
trazia ainda uma atadura no braço e usava uma tipoia, do tiro dado por Slater
nele.
– O
que vocês estão fazendo? – perguntou Arlen.
–
Olhando as estrelas – disse o mexicano e eu realmente estava.
Ficamos
mais um tempo em silêncio. Johnson voltou a falar:
–
Devíamos nos reencontrar quando a guerra acabar para nos divertirmos juntos.
Todos
gostaram da ideia, inclusive eu. Ele então continuou:
–
Onde nos encontraremos? Podemos marcar a data, o local e o horário agora.
Todos
concordaram. Houve uma polêmica quanto ao lugar, com todos falando ao mesmo
tempo. Éramos quatro e cada um de uma região. E os Estados Unidos é um país
muito grande.
– Tem
que ser num local neutro, onde nenhum de nós quatro more – disse Flores.
–
Nova Iorque – sugeriu Johnson e todos concordaram.
– Eu
conheço Nova Iorque – disse.
– O
seu irlandês filho da puta – disse
Arlen, de forma brincalhona. – Você é estrangeiro e conhece Nova Iorque. Eu sou
americano e nunca fui lá.
Tanto
Johnson como Flores também disseram que não conheciam Nova Iorque. Eu ri e
todos acabaram rindo também.
–
Onde em Nova Iorque? – Johnson voltou ao assunto.
– No
Central Parque? – sugeriu Arlen.
– Em
que parte dele? – perguntei. – Ele é enorme. Sabe de algum marco no parque? – e
ele negou, sacudindo a cabeça.
– Vamos
mudar o local. Quem sabe na frente do Empire States? – sugeriu Johnson, desistindo
do Central Park.
Veio-me
a lembrança do King Kong sobre o prédio, na primeira versão do filme, de 1933,
relacionando com o nome do prédio. Esse prédio era o mais alto de Nova Iorque
daquela época.
– É
bom termos cuidado com o King Kong – disse brincando.
Arlen
perguntou, sem entender a minha piada:
– O
que é isso? Empire States? King Kong?
– É o
prédio mais famoso de Nova Iorque – expliquei. – Não viu o filme King Kong? É o
prédio que o macacão ficou em cima – ele não disse se vira o filme ou não, mas
me pareceu confuso. Achei-me que ele não tinha visto e não quis admitir. –
Todos de Nova Iorque sabem onde é e é fácil encontrar. Basta perguntar para
qualquer um.
Então
todos concordaram até mesmo Arlen, convencido com meus argumentos.
–
Ainda falta o dia e o horário – disse o mexicano.
Houve
mais uma polêmica e todos voltaram a falar ao mesmo tempo. O nosso problema era
que não tínhamos um calendário ali. Queríamos um fim de semana, um sábado ou um
domingo.
– Já
sei – disse Johnson. – No dia 04 de julho! – Dia da Independência dos Estados
Unidos – É feriado, independente de calendário. E acho que é um bom horário às
16 horas. Será melhor que seja daqui a dois anos, em 1945. Acho que a guerra já
deve ter terminado antes desse ano. Nós já devemos estar de volta, em casa.
Todos
nós concordamos. Johnson então reforçou:
–
Então está certo! No dia 04 de Julho de 1945, às 16 horas, na frente do Empire
States nos encontraremos. Não vão se esquecer e que ninguém falte.
– Só
faltaremos se estivermos mortos – disse Arlen, rindo.
Sussurrei
para Johnson:
–
Podemos convidar o coronel Lander.
–
Não, irlandês! Você pode ser muito “amiguinho” dele, mas que ele é um pé no
saco, é – disse Johnson e eu discordei com a opinião dele em pensamento, sem
falar nada. – Vamos apenas nós quatro.
Foi
então que passou na trincheira, desviando para não pisar sobre nós, o outro afrodescendente,
Gordon, o qual eu não era amigo. Ele parou de andar bem no meio de nós, ficando
com uma perna entre as minhas e outra entre as de Johnson.
– O
que vocês estão combinando? – perguntou ele, pois tinha ouvido parte da
conversa.
–
Estamos combinando de nos encontrarmos depois da guerra, Gordon! – disse
Johnson. – Quer também se encontrar conosco?
Ele
sorriu e gostou da ideia. Eu não gostei, pois, como disse, não me relacionava
bem com ele. Ainda preferia o coronel. E Johnson nem perguntou se ele podia
fazer parte do grupo. Já foi convidando e tinha que aceitar, quisesse ou não.
Aceitei, sem dar muita importância.
Todavia,
de repente, Gordon foi atingido por vários tiros no peito e caiu morto sobre
nós. Nós levantamos rápido, pegamos nossas armas e começamos a revidar vários
tiros que vinham do escuro. Não víamos o inimigo. Lembro que eu só via as
faíscas de quando os tiros eram lançados das armas, mesmo assim atirava na
direção das faíscas.
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