quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Crônicas

 

 Série "Crônicas de Guerra"


Monstro

 

Estava dentro de uma trincheira junto com Flores. Estávamos encostados em meio à lama, mas não estávamos em combate. O mexicano me contava:

– Tive um sonho estranho essa noite. Sonhei que estávamos sendo atacados por japoneses, mas eles não eram humanos. Eles eram monstros, tipo mortos-vivos. Nós não conseguíamos matar aqueles monstros. E você estava no sonho, Irlandês!

– Eu? E o que eu fazia? – perguntei curioso.

– Você era um monstro morto-vivo como os japoneses! Todos nós lhe temíamos – disse incluindo-se com nossos colegas. – Mas você era o único que conseguia matar os monstros japoneses. E nós, apesar de lhe temer, tínhamos que ficar com você para vencer os japoneses.

Entristeci com aquele sonho do mexicano, principalmente por ter sido ele quem sonhara. Eu o considerava meu melhor amigo. Controlei-me para não chorar e disse desiludido:

– Até mesmo você, mexicano, me vê como um monstro.

Ele ficou preocupado com minha interpretação e negou:

– Não é verdade! Sou seu amigo! E eu não tenho controle sobre os meus sonhos. Nem sei de onde tirei a ideia de monstros!

Mas eu sabia. Subconscientemente, ele comparou aos japoneses e a mim a monstros. Tive certeza disso. Eu mesmo considerava os japoneses monstros. Eu era um monstro que matava os outros monstros. Não falei mais nada, apenas fiquei olhando para o nada, triste.

Flores tocou no meu ombro e disse:

           – Não fique assim, Irving! – e esmurrou o ar. – Não devia ter lhe contado o sonho.

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